O navio comandado por António Costa entra na rebentação do novo ano com rombos sofridos não por qualquer bombardeamento da direita (cuja armada parece tão desarmada como o atarantado almirante que a comanda), ou por ter encalhado nos “escolhos” da contestação sindical, ou nas embarcações mais pequenas à sua esquerda que abalroou apesar de lhe terem servido de rebocadores; mete água devido aos “tiros nos pés” da sua própria tripulação.
Seguiu-se o caso de Alexandra Reis (AR), convidada pelo ministro das Finanças para secretária de estado do Tesouro, depois de ter sido despedida da TAP com uma “indemnização” de 500 mil € líquidos, que considerou ter sido um terço da importância a que tinha direito, de 1.479.250 €, por já ter completado metade do mandato e pela cessação do contrato de trabalho sem termo, como directora, antes de ir para administradora executiva, incluindo remunerações vencidas correspondentes a “4 anos de férias não reclamadas” (???). A TAP comunicou à CMVM a rescisão de AR a pedido desta, e mais tarde alterou a versão para “rescisão por mútuo acordo”, o que não está previsto no estatuto de gestor público. Sabe-se que AR teve parte activa no despedimento de cerca de 3.000 trabalhadores da TAP, com cortes nas indemnizações (50% para os pilotos e de 25% nas das restantes tripulações), com negociações duras e inflexíveis com os seus sindicatos e advogados. Ainda por cima, trata-se de uma empresa intervencionada pelo Estado, em mais de 90% do capital, que lhe injectou 3.200 milhões de euros, dinheiro dos impostos e das contribuições dos portugueses, o que exigiria controlo apertado.
Aguarda-se os esclarecimentos políticos, administrativos e jurídicos que ainda estão por prestar, nomeadamente no que concerne à aplicação do Estatuto do Gestor Público, que poderão levar à devolução da totalidade ou de parte daquela indemnização. Mas fica evidente a inadmissível falta de escrutínio dos detentores de cargos públicos, como neste caso de nomeação de AR por Pedro Nuno Santos, para a presidência da NAV, outra empresa pública, seis semanas depois de ter saído da TAP. O mesmo se aplica ao ministro das Finanças, Fernando Medina, que a nomeou para secretária de Estado do Tesouro.
Outra das conclusões é a confirmação de que em Portugal se consolida uma casta de privilegiados, uma nova aristocracia, a dos administradores e gestores de bancos e restante sector financeiro, da grande distribuição (hipermercados) e dos oligarcas de sectores estratégicos da economia, como o da energia. Esta “aristocracia”, os velhos e novos donos do grande capital, incumbem seus fieis baronetes e escudeiros de entrar e sair (bem pagos) pela porta giratória dos governos. Os CEO (administradores executivos) portugueses, em 2021, ganharam 32 vezes mais do que os seus trabalhadores. Portugal é um dos países onde a distribuição de rendimentos é mais desigual.
Tudo isto não passaria da espuma dos dias se não fosse o facto de nós, comuns cidadãos, estarmos a ir na enxurrada do tsunami inflacionário provocado pelas ondas de choque das bombas na Ucrânia (que parece que ninguém quer parar, nem o invasor “czar” Putin, nem Zelensky, nem a NATO, o braço armado dos vendedores de armas, EUA e UE). Isto num país onde cada vez há mais jovens licenciados que se vêem obrigados a procurar um segundo emprego para conseguir pagar a habitação e a comida no prato; um país com 2,3 milhões de portugueses em situação de pobreza ou exclusão social. Destes, quase 540 mil são pobres apesar de empregados; com 22,3% dos reformados e mais de 60% dos desempregados em risco de pobreza e exclusão social (pior, na UE, só a Roménia), segundo dados de 2021 do Eurostat. Entrementes, verifica-se a desvalorização dos salários e pensões, num regresso à austeridade que acentua de forma dramática as desigualdades sociais que persistem no nosso país, onde os salários reais irão, este ano, recuar ao nível de 2014.
A culminar a desorientação do governo surgiu a demissão da secretária de Estado da Agricultura, um dia depois de ter tomado posse, por suspeição de mau uso de dinheiros públicos e eventual corrupção.
Para rematar (será que é desta?…), acaba de vir a lume o caso da ex-secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, que menos de um ano depois de sair do governo entrou como administradora de uma empresa proprietária de vários hotéis a quem tinha atribuído o estatuto definitivo de utilidade turística, violando a lei que inibe os titulares de cargos políticos de exercer funções em empresas privadas, por um período de três anos após a cessação do mandato.
Assim, o centro político junta-se à direita, mais uma vez, e com este rotativismo que promove o compadrio e a corrupção vão abrindo espaço ao populismo da extrema-direita. Podiam aprender com o que se passa no Brasil. Esquerda socialista, precisa-se!
(Cartoon Carlos Vieira)