A natalidade e a cultura de falta de confiança

O problema de natalidade na Europa, e em todo o mundo ocidental, tem, em minha opinião, duas explicações principais: FALTA DE CONFIANÇA Para constituir família, com filhos, nomeadamente numerosa, algo que constitui uma decisão da qual não se pode desistir, ou suspender por algum tempo, ou algo em que se pode falhar para começar de […]

  • 10:49 | Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014
  • Ler em 3 minutos

O problema de natalidade na Europa, e em todo o mundo ocidental, tem, em minha opinião, duas explicações principais:
FALTA DE CONFIANÇA
Para constituir família, com filhos, nomeadamente numerosa, algo que constitui uma decisão da qual não se pode desistir, ou suspender por algum tempo, ou algo em que se pode falhar para começar de novo mais à frente, é preciso ter confiança na sociedade em que se vive, nos respetivos valores, ser visível e ter presente um quadro geral que possa ser garantia de alguma estabilidade. Ou então ter o apoio de uma família grande, estável, um porto seguro que nos dê alguma confiança e contrabalance a incerteza, o que é cada vez mais raro de encontrar.
Na verdade, o que as gerações mais novas observam é exatamente o contrário. Uma gritante falta de valores. Desrespeito sistemático por compromissos. Contratos intergeracionais que se quebram com a maior das facilidades. Inconsistência. Infantilidade. Instabilidade. Volatilidade. Tudo isto mina a confiança numa sociedade, torna incerto o futuro e não recomenda compromissos de longo prazo. Constituir uma família, assumir a paternidade é algo de longo prazo, para a vida, que não é compatível com a incerteza resultante deste quadro de ausência de valores.
Nota: é muito por isso que as crises são muito significativas e têm implicações muito perniciosas quando são essencialmente geridas com os olhos no curtíssimo prazo. Um ambiente de falta de solidariedade, onde os compromissos perdem valor e onde não se mantém a solidariedade intergeracional, pode ter razões de curto-prazo muito lógicas, de ordem financeira ou económica, mas mina a confiança e destrói a rede de segurança que permite decisões de longo prazo.
DIMENSÃO CULTURAL
As novas gerações, habituadas a este quadro de instabilidade, preocupadas com outros valores e interesses, não encaixam nas suas vidas os “sacrifícios” de uma opção familiar que não conseguem complementar/compatibilizar com uma vida profissional intensa, competitiva e sem referências desse tipo. Este quadro social, sem suporte familiar que possa constituir um referencial comportamental, tem já uma dimensão cultural. Isso significa que constituir uma família passou a ser uma decisão de altíssimo risco e, consequentemente, deixou de ser um objetivo ou algo sequer que os jovens desejam a médio-longo prazo, ficando somente na memória de alguns como um caminho/comportamento do passado longínquo que deixou de ser opção possível ou sequer desejável.
É por tudo isto que é muito grave não manter uma Política de Família estável e, em momentos de menor clarividência, associados com crises económicas, abandonar a cultura de valores, a dimensão da solidariedade, cancelar políticas de apoio à natalidade (consideradas supérfluas), garantias de assistência na saúde, educação, apoio social, etc., e deixar de garantir compromissos assumidos no passado. Toda essa volatilidade tem consequências que depois demoram gerações a resolver, pois assumem muito rapidamente uma dimensão cultural.
Quem pensa que pode resolver isso com apoios, descontos, leis, etc., tudo coisas que se cancelam, retiram e revogam por dá-cá-aquela-palha, não percebe, verdadeiramente, as causas graves e muito profundas deste verdadeiro inverno demográfico. Não é algo que se incentiva, durante algum tempo, podendo depois remover os incentivos como se tratasse de um qualquer processo de habituação. É uma decisão para a vida que tem de ser ganha, sempre, e precisa de estabilidade e confiança.
Na verdade, perdemos a confiança em nós próprios, no valor da nossa palavra, no valor e no significado dos nossos compromissos, naquilo que é um contrato de sociedade e naquilo que construímos que seja minimamente seguro e/ou garantido: aquilo que eu chamo um quadro de valores de confiança e que é a génese de um projeto de sociedade.
E isso é, de facto, muito grave!

Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Opinião