A cidade de Viseu sofreu nas últimas duas décadas significativas alterações no seu espaço público e lugares de referência (quer por intervenções profundas quer por desmazelo na manutenção destes) com repercussões na imagem percepcionada e experienciada pelos seus habitantes.
A par das acções concretizadas e protagonizadas nas intervenções ou nos planos urbanísticas do programa POLIS e também as acções levadas a cabo pela SRU (Sociedade de Reabilitação Urbana) e alimentada pelo desmazelo cometido pelos gestores autárquicos ou proprietários, repercutiu-se na manutenção do edificado presente nestes mesmos espaços públicos (do centro histórico).
Por vezes por incapacidade financeira, a falta de incentivos ou força anímica dos proprietários ou comerciantes levou à degradação do extenso património imobiliário com o progressivo abandono dos espaços habitacionais e comerciais (ou reformulação, modernização dos seus espaços ou modelos de negócio).
A melhoria dos padrões de vida e as exigências de um maior conforto na vida diária atarefada, torna o edificado mais antigo exíguo para as novas necessidades da vida contemporânea, o que potencia o seu abandono, a deslocação para as periferias da cidade e falta de interesse na aquisição de imóveis (que necessitavam de elevados investimentos de reabilitação).
Todos estes factores potencializaram o abandono dos centros históricos das cidades no nosso país, auxiliado pela falta de iniciativa, no devido tempo, por parte dos governantes locais.
A nossa cidade é um reflexo disto mesmo, o exemplo maior advém da Rua Direita e ruas circundantes, um problema gravíssimo e agoniante da cidade. Causado e agravado pela construção de grandes superfícies comerciais, quer de áreas de comércio disperso pelos arredores da cidade em novos núcleos urbanos de densidade construtiva variável e maioritariamente residencial.
Houve também a reconfiguração de hábitos e rotinas dos viseenses com a novidade impulsionada pela confluência das grandes marcas de comércio para a região, sem nenhuma contrapartida por parte da associação de comércio viseense quer do município.
A contrapartida mais lógica que faltou é o simples exercício de mediação para na fase de demonstração de interesse dos diversos promotores de médias superfícies, sensibilizando-os para a negociação de espaços e instalação dos seus negócios na área histórica.
Em suma, a Rua Direita e núcleo urbano histórico da cidade é sobretudo um problema económico, antropológico, de governança, infraestrutural, de arquitectura e de urbanismo.
A um dado momento surgem as iniciativas públicas de aquisição de imóveis e reabilitação dos mesmos para colocação no mercado imobiliário de arrendamento e de venda centralizados na sociedade de reabilitação urbana. A SRU detida pelo município, desenvolve, define o plano estratégico de desenvolvimento urbano, bem como revê os limites da área de reabilitação urbana em que inclui espaços sem capacidade de atratividade ou com necessidades especiais de regeneração urbana como o mercado municipal.
A instalação e promoção de “âncoras” que estimulem a criação ou o aumento do fluxo de pessoas através da diversidade funcional, encarrega os serviços públicos administrativos, um recurso fundamental para núcleos urbanos carentes do frenesim diário característico das cidades.
Pelo nosso país, os mercados de produtos frescos e locais situam-se na confluência de vias ou de linhas de transporte (ex. Bolhão no Porto ou o de Algés em Oeiras), junto de praças ou jardins centrais (ex. Campo de Ourique em Lisboa) ou em Alamedas e Avenidas centrais (Livramento em Setúbal ou o D. Pedro V em Coimbra).
Podíamos também falar sobre o atentado arquitectónico previsto para o Mercado 2 de Maio, mas é só mais um péssimo exemplo que demonstra as más práticas de planeamento urbano repercutidas actualmente em Viseu, que poderão ser agravadas perpetuamente pelo incapaz autarca com a complacência da SRU.
Foi com extrema perplexidade que li e reli a intenção do edil de ali construir num novo edifício, com vários serviços da administração pública do estado bem como o balcão único de atendimento, uma loja do cidadão entre paredes com bancadas de frescos. Um absurdo com implicações arquitectónicas na área de logística, circulação e área disponível de venda que poderá ser reduzida (será que a zona desocupada/abandonada do sector do peixe será a primeira a desaparecer).
Ainda mais grave será a concentração num raio de aproximadamente 150 metros da praça central (Rossio) de praticamente todos os serviços de administração e de apoio ou contacto ao cidadão (expecto o tribunal de comarca, a polícia e a futura unidade de saúde familiar da Casa das Bocas).
Com mais este enorme erro, o autarca não equaciona as possíveis consequências na economia da cidade, encerramento do comércio, com desvalorização do património imobiliário, provocada pela deslocalização de serviços (serviço de finanças), um disparate suportado por más práticas de planeamento urbano demonstrada pela ignorância ou falta de conhecimento e especialização do pessoal técnico da SRU.
Assim, quer os serviços municipais, quer os da responsabilidade do governo central devem funcionar em rede, com uma distribuição homogénea pelo núcleo urbano suportado pela linha circular de transportes colectivos que contribui para uma humanização do espaço público (vidé Gehl, Jan – Humanização do espaço público) e evitar grandes aglomerações de pessoas e de trânsito automóvel nas artérias circundantes do Rossio.
Por isso, deixo aqui várias sugestões de intervenções que deverão ser postas em discussão interna dentro do executivo e na SRU e com fase de discussão ou apreciação pública.
Muito perto dali, do lado oposto da rua 21 de Agosto, onde se situa o parque de estacionamento, é uma hipótese de localização com a garantia de um melhor enquadramento urbanístico, paisagístico, capaz de comportar estacionamento subterrâneo, 2 novas frentes de rua para a avenida António José de Almeida (a artéria da cidade com mais trânsito da cidade) e Major Leopoldo da Silva e possibilidade de ligação ao edifício da segurança social.
Para o actual mercado exclui-se a sua demolição, ao invés sugere-se a sua reconversão para a instalação do centro Vissaium XXI (e se ainda fosse reversível o contrato programa estabelecido) com espaços dedicados às Start ups, ou próprio negócio (jovens em início de actividade profissional) e oficinas de manualidades com rendas acessíveis. Uma zona social, um pólo de formação profissional para empresários, ou porque não até a Loja do Cidadão pode constituir-se como um ponto focal noutra zona da cidade bem carente do frenesim diário aludido acima.
Falo das antigas instalações da GNR na Prebenda com ligação à rua Direita e à despovoada rua do Gonçalinho (com a reconstrução de 3 imóveis devolutos) com a linha circular de transportes em auxílio a esta.
Ou porque não um edifício de raiz no actual e desorganizado parque da Av. Capitão Silva Pereira com ligação pela Rua do Gonçalinho? Também as antigas instalações da Federação dos Vinicultores do Dão se poderão adequar a albergar a Casa das Associações, um espaço associativo, desportivo, cultural e tradicional a que se poderá somar a Ludoteca que o Polis fez desaparecer do campo de Viriato, também ele, escondido da memória patrimonial da cidade e apagado na noite viseense. Mais exemplos haverá mas porquê então insistir sempre nos mesmos erros?
Para tudo isto necessita-se de boas doses de arrojo, inovação, rigor na definição de programas, muita pesquisa, discussão e participação cívica, aberta.
Tudo ao contrário dos actos públicos protagonizados pelo actual presidente da câmara e a sua “muito pouco fantástica” equipa.