To each his sufferings: all are men, condemn’d alike to groan, the tender for another’s pain, the unfeeling for his own. Yet, why should they know their fate, since sorrow never comes too late and happiness too swiftly flies? Thought would destroy their paradise. No more; where ignorance is bliss, ‘tis folly to be wise.
Trecho do poema “Ode on a Distant Prospect of Eton College” (1742), de Thomas Gray
Não haja dúvidas de que esta parece ser a máxima dos difíceis tempos em que vivemos: “Onde a ignorância é felicidade, é tolice ser sábio”. Nem é preciso muito para se chegar a esta conclusão, basta percorrer a pé as principais artérias da cidade de Viseu e observar as centenas de pessoas que se passeiam sem máscara. Algumas, numa clara manifestação de apreço pelos versos finais do poema de Thomas Gray, chegam a deambular pachorrentamente com as ditas máscaras nos cotovelos ou nos pulsos, como se fosse um acessório.
O comandante nacional da Protecção Civil, Duarte da Costa, lamentava-se, no início de Setembro deste ano, quando falava sobre a campanha de tolerância zero ao fogo, que em Portugal se demorou 10 anos até ser verdadeiramente assumido por toda a gente o uso do cinto de segurança nos automóveis. No seu entender, a campanha de prevenção de incêndios enfermará do mesmo mal. E o uso de máscaras em situações de pandemia mundial quantos anos demorará?
Conclusões? Três gerações, três posturas erradas. Um pai que desbarata uma oportunidade para dar um bom exemplo às filhas, dois jovens de vistas curtas centrados apenas neles mesmos e duas mulheres mais preocupadas com aspetos visuais do que com a sua própria saúde.
A maior parte das pessoas tem consciência de que os números estão a subir ou a descer, vêem as notícias, acompanham o evoluir da pandemia no seu distrito e no país. O problema é que nada disto se reflecte, depois, nos seus próprios actos. É só passar pelo centro histórico, na sexta e no sábado à noite, ou no fim-de-semana, para se constatar de que forma as pessoas se preocupam mesmo com a pandemia. São centenas de pessoas sem máscara nas ruas, em grupos nas esplanadas, a desrespeitar normas de segurança. Até podem alegar que estão ao ar livre, mas, caramba, estão praticamente em cima uns dos outros, sem observar as regras de distanciamento.
Começamos a inverter o paradigma quando verificamos que hoje em dia nos sentimos mais seguros num centro comercial, hipermercado, loja ou repartição pública, porque nesses locais é obrigatório usar máscara. Nas ruas e nas esplanadas isso é mais complicado, porque há sempre o bronze do Verão, a maquilhagem irrepreensível, o tratamento dentário, a barba que demorou quase duas horas a aparar para ficar como deve ser, ou o batom Mary Kay, que é “top, top, top”, para mostrar. E, no final de contas, se o Covid aparecer, “pronto, é melhor assim, ficamos já despachados”.
No meio de tudo isto, não é preciso muito para constatar que aqueles que estão mais preocupados com a pandemia são as pessoas com mais idade. Numa Rua Direita cada vez mais envelhecida, eles lá andam de máscara, alguns num desamparo extremo. Vagarosos, trémulos, vulneráveis e frágeis, mas de máscara bem colocada! Já trabalharam e sofreram muito mais do que as incautas novas gerações, têm muito menos conhecimento e acesso à informação do que eles, mas sabem que se deve usar máscara. Reflectem bem a resiliência beirã, a resistência perene e feroz perante as adversidades e a indómita vontade de subsistir. São autênticas lições de vida que nos dão diariamente.
Uma sociedade justa, como aquela que todos desejamos, terá de ter muito mais respeito por eles e pela vida que construíram. “Não se envelhece para morrer”, diz José Tolentino de Mendonça no seu último livro, acrescentando que “quando queremos interpretar a árvore não podemos esquecer que ela não viveria sem as raízes”. Saibamos respeitar as nossas raízes!