A imigração

Enquanto há gente que sofre e chora e não tem dinheiro sequer para uma refeição por dia, valia a pena que os gurus da política, os arautos das soluções fáceis, os profetas das boas novas, os áugures da terra prometida, os eleitos, descessem às pedras, se deixassem dos seus tapumes ideológicos e se dessem ao trabalho de encontrar uma resposta nacional para uma questão que se desenrola à sua frente, sob o seu olhar esquivo e diante do seu silêncio pusilânime.

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  • 18:31 | Segunda-feira, 20 de Maio de 2024
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O fenómeno da imigração, reunindo todos os requisitos, endógenos e exógenos, para aumentar nos números e ficar por cá, obriga a que, num futuro imediato, se repense as formas de organização da sociedade, nos centros de poder, no trabalho, na escola, na família, nas grandes cidades e na mais recôndita aldeia.

Num mundo globalizado, com guerras, desastres naturais e fundamentalismos a afectarem todos os cantos do mapa universal, origem de autênticos êxodos populacionais, uma nova ordem, política, económica e social, se imporá, a breve trecho.

As inevitáveis interações sociais, provocadas pela chegada dos imigrantes e refugiados, implicarão ondas de choque conflituantes e excluintes ou trarão a tolerância e a adaptação a essas novas realidades emergentes. Não há forma de contornar essa inevitabilidade. Torçamos para que a proximidade e a convivência continuem a acontecer, em concórdia e em harmonia, num processo normal de aculturação, que nada terá de subversivo ou preocupante.


A imigração é, muito provavelmente, um dos problemas mais candentes que, em termos de Direitos Humanos, se coloca no presente à União Europeia. O mundo civilizado tem a obrigação de acolher quem pretende sair do seu país, por razões políticas, religiosas, humanitárias ou de subsistência. Virar as costas a estes deveres é contrariar os mais elementares compromissos de cidadania e de solidariedade responsáveis.

Cada dia, todos nos surpreendemos com as vagas de imigrantes que aportam às margens costeiras da Europa, condoendo-nos com os outros mais que perdem a vida a caminho da terra das ilusões, todos juntos um calvário impenitente. E, sobre este assunto, espantamo-nos mais e mais com o fracasso do entendimento desejável entre os países do Velho Continente e com a ausência de uma política europeia comum. O que vemos, ouvimos e lemos é dramático e envergonha o mundo ocidental.

Não defendo que se fechem fronteiras, que se ergam muros e que se ponham chaves nas fechaduras. Ainda menos que se estigmatize quem vem em busca de um sonho. Um povo de emigrantes, com uma diáspora implantada em todas as latitudes, não merecerá que quem governa por si lhe cole esse selo de maldade. Mas a política das portas franqueadas, só por si, e enquanto valor absoluto, sendo simpática, no seu exterior, é irrealista nos seus objectivos, e criminosa, na sua essência.

Sem complexos, de esquerda ou de direita, impõe-se que Portugal, que não possui condições ilimitadas de recepção, coloque restrições à entrada de imigrantes, consoante o que a sua própria escala determinar. Receber, só porque é bonito e fica bem, não resolve os problemas de quem vem, e provoca atritos em que está. Receber sim, mas na exacta medida em que houver condições para acolher e integrar com qualidade, no respeito pelas condições de dignidade devidas ao ser humano, independemente da sua origem, cor, do género e da religião. Receber não, se isso implicar que quem chega viva em condições sub-humanas, a receber salários de miséria, servindo de alimento e sustento das nojentas redes de tráfico humano. Receber não, se o país não for capaz de adoptar políticas humanizadoras e respeitadoras, se se concentrar apenas no rendimento e nos ganhos que essa mão de obra, frágil e vulnerável, pode trazer à economia nacional.

As recorrentes imagens que temos vindo a ver de cidadãos africanos e asiáticos, vivendo em autênticas enxovias, em condições absolutamente degradantes, pagas ao peso da honra, as filas intermináveis na AIMA, envergonham-nos a todos, e merecem uma urgente e esclarecida intervenção das autoridades portuguesas. E se for necessária reversão das medidas anteriormente tomadas, pois que seja.

Entre sermos um país que recebe todos, mas deixa que todos sejam maltratados e explorados, ou sermos um Estado que define condições de entrada, mas garante que todos os que chegam são integrados e respeitados, que tenham trabalho legal, façam os seus descontos, e gozem do acesso aos benefícios de um Estado Social, prefiro de longe esta última possibilidade.

Sermos simpáticos com os imigrantes, à entrada, e tratá-los depois como objectos, coisas utilitárias, é que não. Nesta temática, se imperasse o bom senso e o pragmatismo mais do que a ideologia e o idealismo, talvez o desastre humanitário não tivesse atingido as proporções vergonhosas e obscenas que alcançou.

Enquanto há gente que sofre e chora e não tem dinheiro sequer para uma refeição por dia, valia a pena que os gurus da política, os arautos das soluções fáceis, os profetas das boas novas, os áugures da terra prometida, os eleitos, descessem às pedras, se deixassem dos seus tapumes ideológicos e se dessem ao trabalho de encontrar uma resposta nacional para uma questão que se desenrola à sua frente, sob o seu olhar esquivo e diante do seu silêncio pusilânime.

Tanta passividade e tanta moleza é de revoltear os fígados e fazer bolsar o vómito.

 

(Foto DR)

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Publicado em Opinião