A cortesia dos ciclistas

Ainda hoje me ultrapassou um desses ciclistas mudos e antipáticos, que vão sozinhos no mundo. Custava-lhe muito ter-me incitado a enfrentar as rajadas de vento que nos queriam impedir de chegar da Vagueira à Costa Nova? Outra coisa bem diferente sucedeu depois.

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  • 22:24 | Sábado, 01 de Agosto de 2020
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     Disse na nota antecedente, muito contra a minha vontade, que nas terras planas junto à praia, onde costumo treinar, os ciclistas passam com tanta pressa e tão pressurosos da sua força que a maioria não se digna conceder um cumprimento, mesmo ligeiro. Ainda hoje me ultrapassou um desses ciclistas mudos e antipáticos, que vão sozinhos no mundo. Custava-lhe muito ter-me incitado a enfrentar as rajadas de vento que nos queriam impedir de chegar da Vagueira à Costa Nova? Outra coisa bem diferente sucedeu depois.

Eram oito da tarde quando rodei na rotunda da Costa Nova e voltei para trás. Tinha meia hora para entrar bem de dia a casa e não provocar inquietações. Foi fácil chegar à Vagueira. O vendaval agora favorecia-me. Já nesta praia, os engenheiros estreitaram a estrada para abrir uma ciclovia ridícula, que não passa de uma banda de tinta no chão, irregular e suja. Mas como pressentia um automóvel atrás de mim, fui para ela. O carro seguiu. Dois minutos depois a roda traseira estava vazia. Tarde demais para eu a reparar, porque não o faço em menos de meia hora. Dei ar e arranquei à pressa. Andei trezentos metros, voltei a parar e enchi o pneu. A terceira paragem ocorreu em frente do parque de campismo. Na quarta, e última, encontrava-me noutra ciclovia, esta bem construída, com o sol a cair atrás dos pinheiros. Já tinha ligado para casa quando ouvi, ao longe, atrás de mim, alguém que gritava, sabe-se lá para quem:

            – Há azar? Algum problema? Precisa de ajuda?

Afinal, era para mim, que seguia com a bicicleta pela mão, e não era um ciclista, eram doze ou treze. Pararam todos. Não aceitaram as minhas explicações. Sugeriram, com humor, que eu queria era desistir da volta. Um deles perguntou-me se não o conhecia. «Sou o Teixeira!» Ainda há meio ano esteve a consertar a caldeira do aquecimento de casa. E já outro desmontava, agarrava na minha bicicleta, tirava a roda e mudava a câmara-de-ar com uma rapidez de profissional. Outro agradeceu-me a paragem. Já não conseguia acompanhar o andamento dos mais velozes. Quando chegou o momento de encher o pneu, rejeitou a minha bomba e usou gás comprimido. Em três ou quatro minutos, estava pronto para seguir.


Pus-me atrás deles, e assim confirmei o que o Teixeira me tinha dito no Inverno, ao saber que nos unia o gosto pela bicicleta. Aquele grupo bem-disposto arrancou a trinta e cinco e chegou aos quarenta, passando pelas rotundas sem abrandar, como se não tivessem feito já dezenas de quilómetros. Um ou outro deixava-se ficar para trás e recolava com brio. Eu, assim que os nossos caminhos divergiram, fiquei tão contente pelos seis quilómetros que tinha feito com eles como pela pacatez com que realizei sozinho o resto do percurso.

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Publicado em Opinião