A comissária

É certo que a alta política tem muito de faz-de-conta, de encenação, de fantasia, vive muito da imagem ideal, do retrato perfeito, do desenho colorido, vive de simulacros e fingimentos, de farsas e hipocrisias.

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  • 13:23 | Segunda-feira, 02 de Setembro de 2024
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Maria Luís Albuquerque, ministra das Finanças de Pedro Passos Coelho, causa directa do amuo de Paulo Portas e do seu “irrevogável”, logo esquecidos, quando pressionado e temente do rombo nos ganhos eleitorais, na iminência de uma inesperada crise política, que a atitude impensada e precipitada provocaria, foi indicada por Montenegro para comissária europeia.

A oposição em bloco criticou a escolha e a unanimidade da rejeição foi quebrada por António Vitorino, experiente no cargo, eminência parda do regime, empenhado homem de negócios, dedicação exclusiva que de crés em crés interrompe para opinar sobre assuntos superiores, e por Sérgio Sousa Pinto, um dos poucos socialistas que pensa pela sua cabeça e não tem receio de dizer o que lhe vai na alma, recordando com lucidez e bom senso que a ex-ministra “desempenhou funções difíceis num período muito complexo”.

Porém, há que não esquecer as más memórias que o seu nome nos traz e as polémicas a que, por grosseira negligência ou manifesta intencionalidade, esteve associada.


Por estar vinculada às negras políticas de austeridade, algumas dispensáveis por não serem imposições e exigências da Troika, e resultarem de caprichos do seu mentor e ex-aluno, PPC, e por ter coleccionado polémicas, públicas e privada, esta última deveras vexatória e achincalhante para uma figura pública.

Comecemos pelas primeiras, o processo de compra dos “swap”, instrumentos de investimento financeiro, considerado altamente especulativo e de risco, enquanto directora financeira da REFER, a venda do BANIF e do BPN, a preços de saldo, a resolução do BES, o trabalho na ARROW, após a saída de ministra, uma financeira que comprara o crédito malparado do BANIF. Apesar deste quisto infeccionado, quis continuar deputada, acumulando com aquela empresa.

E terminemos com António Albuquerque, o seu espazeado marido, ex-jornalista, nomeado para o confortável e acolhedor lugar de assessor da EDP, empresa privatizada pela sua extremosa esposa, e que, indisposto e perturbado com as críticas recorrentes à sua mulher, enviou mensagens a jornalistas tentando impedir a publicação de notícias desagradáveis para a ministra, com ameaças de agressões físicas, tal como a que ficou mais célebre: “tira a minha mulher da equação, se não vou- te aos cornos”.

Embora tenha sido condenado pela boçalidade, cuidem-se agora os críticos da distinta senhora, guardando os chavelhos, as hastes, das investidas do marido ofendido, sempre mais perigoso do que um toiro bravo.

Depois do currículo ou cadastro, dependendo da perspectiva por que se abordar o problema, um último apontamento. A escolha e o modo como foi apresentada, desencadeou um levante na classe política, ainda na ressaca do distendido período de veraneio. Mais para sacudir a monotonia dos dias ocos do que propriamente por razões de ofensa aos rituais democráticos. Tenho a certeza absoluta de que, se fosse ao contrário, seria igual, sem tirar nem pôr. Ou até pior. Informar o maior partido da oposição sobre as escolhas para altos cargos internacionais, parece-me sensato, até cortês. Ouvi-lo, pressupondo com isso disponibilidade para concerto de posições, é um exagero. Porque governo que se preze, jamais se eximiria das suas responsabilidades, o acto seria uma encenação absolutamente parola, uma maçada para quem dela soubesse.

É certo que a alta política tem muito de faz-de-conta, de encenação, de fantasia, vive muito da imagem ideal, do retrato perfeito, do desenho colorido, vive de simulacros e fingimentos, de farsas e hipocrisias. E, nessa medida, tudo isto conta. Infelizmente.

Calha dizer que o PS, useiro e vezeiro a decidir por si, por vezes com algum desdém, e que foi de entre todos quem mais reclamou, anteriormente não fez melhor. Por isso, sobre a matéria em apreço e a bancarrota para que irresponsavelmente conduziu o país, razão imediata da intervenção da Troika e das medidas impopulares, devia estar bem caladinho, encostado a um canto, rogando para que passasse despercebido, aguardando que não lhe atirassem à cara erros grosseiros e pecados fatais.

 

(Foto DR)

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Publicado em Opinião