Em 24 de Agosto de 1897, Eça de Queirós encontrava-se em Paris, instalado no Grand Hotel Terminus enquanto decorriam as obras de renovação da casa para onde havia de se mudar no Outono. Não se esquecera da promessa aos filhos: «Em quanto a bicicleta vou amanhã também, se Deus quiser, tratar de saber preços e condições.»
No dia seguinte, o tempo tornou-se «abominável». «Frio e chuveiros grossos.» O escritor deve ter ido a alguma loja, onde o informaram sobre os requisitos a ter em conta. «Para se comprar a bicicleta é necessário a medida de l’entrejambe – isto é, a altura da perna desde o que pudicamente se chama a “verguilha” até ao pé, à sola do pé. Manda essas medidas», pede à esposa, «para o caso em que eu ainda cá esteja na sexta-feira.»
Em Fevereiro de 1899, no meio da revisão de provas de A Ilustre Casa de Ramires, Eça de Queirós enterneceu-se ao ler a carta em que o filho Zezé «conta as suas aventuras com a polícia». Eça de Queirós estava em Portugal, onde, diz, espalhou «a anedota e com succès». Encanto de pai. Cinquenta anos depois, a irmã Maria evocou o episódio, que se resumiu, «afinal, a pouca coisa».
«Tendo nós, José e eu, saído de bicicleta com o Charles, tropecei no trottoir e um polícia autoritário quis-nos mener au poste. Protesto indignado e recusa enérgica do Charles, que lançou, em desafio, o nome “Cônsul de Portugal”. Esse título abaixou consideravelmente a arrogância do agente que se limitou a tomar os nossos nomes.»
Maria prossegue a rememoração:
«Continuámos divertidos e três tranquillement o nosso passeio, e Charles encontrando outro polícia, contou-lhe l’affaire, esse sorrindo, atribuindo-o a zelo demasiado. Nous les appelons des nouchards, concluía o Zezé.»
Por aqui se deduz que a família Queirós já dispunha de bicicleta própria.