Vai o povo para a praia, num movimento pendular e sazonal.
Descansando de um ano de canseiras e trabalhos, carrega o carro com a tralha, cadeiras de braços e geladeiras, põe-se à estrada, esquecendo o preço do combustível e o que vai gastar em portagens, em auto-estradas mais do que pagas, um negócio da china para as concessionárias, que, com a transumância de ex-ministros para os conselhos de administração, não encontram no Estado uma voz que ponha fim a tal desatino.
Expõe a barriga ao sol, fica da cor da lagosta – nota-se no refego do elástico dos calções de banho o contraste com a pele velha – derrete-se nas esplanadas, à conta de uns finos com espuma até à cabeça, que baba para os lábios ressequidos, trinca uns amendoins descascados, o lavagante dos pobres.
Os assessores bufam segredeiras para a imprensa, ninharias de intimidades dos políticos, via de regra exemplares chefes de família, patriarcas de prole bem-sucedida, quadros de empresas públicas que o apelido colocou, longe da coscuvilhice doméstica , desejosa de provas de compadrios e encostos.
Política que se preze, tem coreografia bastante e coerência a menos, detalhe que pouco vale, porque o povo distraído com o Agosto quente, o que quer é paz e sossego, agradece que não o incomodem com coisas sérias, essa embirração solene dos intelectuais, comentadores e jornalistas.
Ao leme da nação, ficam as segundas linhas, que não mexem uma palha no fardo, sem a concordância dos tutores e o assentimento da alta entidade. Para que a nau não abalroe e não meta água, e dando imagem de um ajuizado planeamento, revezam-se as excelências na liderança, com zelo profissional, rigorosas nos primores, exímias nas incumbências, ciosas nos trabalhos de casa. De ambição escondida, talvez agradando às chefias, o futuro as bafeje com outras sortes.
De interessante, nada acontece. O país está parado, também foram de férias o azedume, a crítica, o embaraço, a chatice. Tudo fica adiado, até ao regresso. São dias, semanas, quinzenas, de anormalidade costumeira. Não estala o verniz nem se zangam as comadres. É um país em banho-maria, perlado de esquecimentos, coroado de modorrices, enrolado em gaguezes, avivado por espasmos. Quando anda, fá-lo a passo, a medo, a espaços, aperreado de vaguezas.
Quando os cabeças de cartaz reaparecerem nos ecrãs, de baterias recarregadas, virão desempoeirados, frescos, sorridentes, lavadinhos, e todos no igual bronzeado, cabelo com gel a emprestar um ar juvenil. É o fim do intervalo breve. Logo logo, protagonistas, programas, anúncios, greves, prenunciando um tempo catalista, voltarão ao dia-a-dia de um país endemicamente mole, frouxo, amochado, dado a chiliques, perdido numa chochice matricial. Um país, tingido de cores pálidas, neutras, que descobre mais graça no evitar, no adiar, no atirar para debaixo do tapete. Um Portugal que, numa ronceirice de balancé, rezinga e tremula, reponta, rima e esponta, macaqueia e escouceia sanhudo, pespegado numa oura que lhe apetece e não controla.
Este cantinho de bom sol e melhores vinhos, sem ideário nem desígnio, alérgico a projectos estruturantes, impreparado para maratonas, sem paciência e gelo nos pulsos, aguardando por resultados, avesso a mudanças, é uma enzonice, enredado nas malhas largas com que tece o seu destino, desesperançado e sem fé.
Por vezes, encanita até o mais tranquilo.