A água está a chegar

“Os pólos estão a derreter, as águas subterrâneas estão a subir e as chuvas torrenciais estão a inundar estradas e casas. Não é mais uma questão de se, mas de quando a água chegará – e como nos adaptaremos” pode ler-se no desdobrável informativo da exposição “Water is Coming” (A Água está a Chegar).

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  • 13:02 | Sexta-feira, 10 de Janeiro de 2025
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É muito bom ter uma família e é um enorme privilégio quando somos acarinhados.

Este ano, na habitual ida à Alemanha, para passar a quadra natalícia em família, fui convidado para visitar Copenhaga (Dinamarca) e Malmo (Suécia). Tínhamos pouco tempo, pelo que a aposta foi em conhecer a cidade a pé, passar nos principais pontos de referência e, se ainda houvesse tempo, visitar um Museu. Fruto da organização e método do meu cunhado, conseguimos, mantendo um bom ritmo na caminhada, visitar dois museus: Museu de Arte moderna e Contemporânea (Malmö) e o Centro de Arquitetura Dinamarquesa.

O que mais me marcou foi a exposição temporária “Water is Coming”. As alterações climáticas, exceto para alguns negacionistas “encartados”, são uma evidência. Não é raro vermos, no mesmo noticiário, o combate às chamas num determinado país, em resultado do calor extremo, e, noutro ponto do mundo, inundações que fazem colapsar bairros, aldeias, cidades e provocam, cada vez mais, mortes.


As estimativas do relatório da Oliver Wyman e do Fórum Económico Mundial apontam para mais de 14 milhões de mortes até 2050, provocadas pelas alterações climáticas. As inundações representam o maior risco de mortalidade, com 8,5 milhões de mortes até 2050, seguidas pelas secas e ondas de calor. Não precisamos de um grande esforço de memória para rever as imagens trágicas das cheias catastróficas que causaram a morte de mais de duas centenas de pessoas no sul de Espanha. Por estes dias, temos assistido aos estragos provocados pela chuva e pelo vento, no nosso país.

De acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Portugal apresenta 63 áreas com risco potencial significativo de inundações, podendo afetar mais de 102.905 habitantes em território continental.

O vil metal fala sempre mais alto. As construções, em zonas de risco, continuam a ser disseminadas sem preocupação com os alertas dados pelos especialistas, tendo por base a ciência. A título de exemplo, o que acontecerá ao Centro Champalimaud, ao Hospital CUF Tejo e ao Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), edificados em cima do rio Tejo, num futuro, mais ou menos longínquo, se as águas do Tejo subirem de repente?

“Os pólos estão a derreter, as águas subterrâneas estão a subir e as chuvas torrenciais estão a inundar estradas e casas. Não é mais uma questão de se, mas de quando a água chegará – e como nos adaptaremos” pode ler-se no desdobrável informativo da exposição “Water is Coming” (A Água está a Chegar).

A exposição explora a relação entre a água, as pessoas e a natureza, num mundo em rápida mudança, onde, apesar do panorama aparentemente sombrio, também há esperança e oportunidades. À medida que visitámos o universo expositivo, numa interessante simbiose entre conteúdos visuais e acústicos, ficou ainda mais claro que a água é um dos maiores desafios do nosso tempo.

A subida do nível do mar e as chuvas torrenciais mais frequentes exigem mudanças radicais no desenho e na organização urbana. Para que a esperança e as oportunidades se sobreponham aos sinais ameaçadores, os territórios têm que estudar estratégias e implementar mecanismos de adaptação à água, em vez de tentarem, será infrutífero, combatê-la. Há cidades como Copenhaga, Veneza, Hamburgo e Jacarta que já enfrentam esta questão inevitável.

Foi com prazer que mergulhei nos conteúdos expositivos e conheci visões ousadas, projetos concluídos, investigações, perspetivas históricas, propostas para um futuro com níveis crescentes de água em todas as direções. É inspirador perceber a forma como algumas comunidades se estão a adaptar a uma nova vida quotidiana com a água e como os cientistas, arquitetos, urbanistas, municípios e outras organizações estão a trabalhar em conjunto para criar soluções para o nosso futuro comum, partilhado com a água.

Destaco três projetos: Climate Neighborhood (Copenhaga,Dinamarca) – um laboratório de experimentação em proteção de águas pluviais e adaptação climática. O primeiro espaço urbano adaptado ao clima de Copenhaga. A praça é um oásis verde capaz de gerir grandes volumes de água da chuva e ao mesmo tempo servir como um novo ponto de encontro para os moradores do bairro. A praça permite a drenagem das águas pluviais dos telhados e praças locais, desviando-as dos sistemas de esgotos e aumentando a capacidade de Copenhaga de resistir às chuvas torrenciais do futuro. Fortalece a infraestrutura da cidade, ao mesmo tempo que serve como parque.

 

 

Niederhafen River Promenade (Hamburgo, Alemanha) – O passeio marítimo do porto de Hamburgo foi elevado a 7 metros, acima do nível do mar, após a tempestade de 1962 para proteger contra inundações. O novo passeio, projetado por Zaha Hadid Architects, concluído em 2019, foi elevado em mais um metro. Combina segurança com espaços recreativos, cafés e vistas panorâmicas, demonstrando como o planeamento urbano pode criar áreas públicas atraentes e seguras. A remodelação da barreira de proteção contra inundações reconecta o seu passeio fluvial com o tecido urbano circundante da cidade; servindo como um passeio ribeirinho, ao mesmo tempo que cria ligações com bairros adjacentes e protege a cidade das tempestades de inverno e das marés altas extremas.

Piet Niemann ©

 

Mose system (Veneza, Itália) – Construção de barreiras móveis que consistem em comportas de aba, instaladas no fundo das enseadas, que permitem separar temporariamente a lagoa do mar durante uma maré alta. Estamos em contagem decrescente para evitar os piores impactos das mudanças climáticas, restam-nos quatro anos e 195 dias para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus Celsius, segundo o climate clock (relógio climático). Enquanto os compromissos assumidos no Acordo de Paris continuam a ser ignorados, continuamos a assistir às consequências devastadoras, como ondas de calor extremas, secas, chuvas diluvianas, aceleração do degelo e consequentemente subida do nível do mar e aquecimento do oceano.

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Publicado em Opinião