4D, 5G e 100 Net

O custo total do programa de distribuição do computador Magalhães para os cofres públicos foi de 273 milhões de euros. Marcado por polémicas feias, o e-escolinha foi um fracasso, talvez porque o diabo está nos detalhes. E os detalhes eram muitos.

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  • 12:43 | Quinta-feira, 02 de Julho de 2020
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Há famílias carenciadas que podendo receber um computador como apoio para o estudo dos filhos durante a pandemia, recusaram.

Lê-se nas caixas de comentários e ouve-se nas conversas de café que é gente pobre e mal-agradecida. Afinal que outra explicação poderia haver para recusarem uma medida tão generosa?

Afinal há explicação.


No círculo vicioso da miséria cabem sempre explicações mirabolantes. Aquelas que os políticos e técnicos fechados em gabinetes com ar condicionado não podem imaginar por não fazerem ideia da quantidade de países que o nosso país tem. Num desses países reais que é Portugal, a explicação dada ao director do agrupamento foi que quando os pais perceberam que tinham de assinar uma declaração em que se comprometiam a devolver os computadores em bom estado no final do ano lectivo, tiveram receio que os filhos os estragassem e acabaram por não os levantar.

Não é difícil imaginar que gente que conta moedas para comer, tenha o legítimo receio de ser confrontada com o pagamento de centenas de euros caso um dos filhos danifique equipamento emprestado.

Nada disto seria trágico não fora a dimensão do equívoco do “ah praticamente toda a gente tem acesso à net em casa e um computador”.  Segundo o INE apenas cerca de 5,5% dos agregados familiares com crianças até aos 15 anos não têm acesso a computadores com internet em casa, cerca de 50 mil alunos.

Acontece que segundo um inquérito recente da Universidade Nova de Lisboa, os números poderão ser bem mais dramáticos. Em média, 23% dos alunos até ao 12.º ano não têm acesso a computador com internet em casa, valor que é ainda mais elevado quando se retiram os dados de escolas privadas. Estes números, ainda em estudo, se pudessem ser directamente extrapolados, representariam um universo de mais de 300 mil alunos.

Recuemos a 2008.

O portátil Magalhães foi anunciado como um computador portátil de baixo custo, montado em Portugal.  Sob o âmbito do programa e-escolinha, resultou de um protocolo entre o Governo e a Intel, sendo gratuito para aqueles que estivessem abrangidos pelo primeiro escalão da acção social escolar. Para os do segundo escalão custava 20 euros e para aqueles que não estivessem abrangidos pela acção social custava 50 euros.

O custo total do programa de distribuição do computador Magalhães para os cofres públicos foi de 273 milhões de euros. Marcado por polémicas feias, o e-escolinha foi um fracasso, talvez porque o diabo está nos detalhes. E os detalhes eram muitos.

Ou seja, o país que teve a ambição de fornecer gratuitamente ou a preço simbólico 500 mil portáteis a uma geração de crianças e jovens alunos na primeira década do séc. 21, é o mesmo país que descobre no virar da segunda década, 273 milhões de euros para o lixo depois, que afinal há um mundo de alunos que pode ficar para trás no ensino à distância por falta de um computador.

Triste, não é?

 

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