“Chame-se o Bufallo Bill
Chegue aqui o Jaime Neves
Para recordar Wiriamu,
Mocumbura e Marracuene”
(estrofe de “O país vai de carrinho”, de José Afonso)
André Ventura, na patética comemoração do 25 de Novembro, saudou com especial emoção o seu herói daquele golpe contra-revolucionário, Jaime Neves.
Quem foi Jaime Neves (JN), o condecorado chefe dos comandos que cercaram o RPM e mataram 3 soldados, tendo também sofrido 2 mortos?… O militar de Abril, Mário Tomé, num artigo de opinião, no Diário de Notícias de 1.04.2013, esclarece: “JN foi um grande operacional, ninguém o pode negar. Mas baldou-se às missões essenciais do 25 de Abril que lhe foram atribuídas (…), capturar os chefes do Cav7 e do RL2, e ter recusado o assalto à PIDE por “ser demasiado perigoso”. O próprio JN, numa entrevista à revista Tabu, de “ O Sol”, confessou que não queria acabar com a guerra colonial, mas antes transferir as forças armadas da Guiné (onde o PAIGC já tinha declarado a Independência e levado Spínola a reconhecer a derrota) para Angola e Moçambique. E, citado por Ventura, vangloriou-se: “Era mesmo assim, quando nos mandavam limpar, nós limpávamos tudo!”
De facto, os comandos ficaram tristemente célebres pela participação, ao lado da PIDE/DGS, no “massacre de Wiriamu”, em Moçambique, embora JN tenha negado ter participado, alegando estar a 1200 km de distância, em Montepuez, no quartel do Batalhão de Comandos. Já depois do 25 de Abril ter terminado com a guerra colonial, JN, que participou no MFA, foi a Moçambique para conseguir a rendição de duas Companhias de Comandos que, desobedecendo às ordens superiores, continuaram a combater e a assassinar independentistas. JN prometeu-lhes que nenhum comando seria preso ou castigado pelos seus crimes de guerra. Significativamente, depois de aposentado do exército, JN fundou com outro comando a empresa de segurança privada “2045”, em homenagem a uma dessas famigeradas companhias de comandos, a 20-45, que chefiou.
Sobre a tentativa de “revanche” contra o 25 de Abril e de reescrever a História, que foi a provocatória comemoração do 25 de Novembro, basta dar a palavra ao General Costa Neves, do Grupo dos Nove que liderou o golpe do 25 de Novembro, (entrevista ao programa Quinta Essência, Antena 2, 29.02.2024): “A revolta dos pára-quedistas, devido à sua dissolução após o 11 de Março, foi um pretexto aguardado para o golpe e posterior purga, injusta, exagerada, dando cabo da vida de muitos militares, e não, de forma alguma premeditada, um golpe de esquerda”. Efectivamente, foram presos 118 militares de Abril, para além das 82 pessoas saneadas e demitidas da imprensa pública, substituídas por gente do PS e do PSD ou militares golpistas. Otelo foi preso no dia 26 de Novembro, apesar de não ter participado em qualquer acção, como reconheceu Jaime Neves, na citada entrevista.
Edmundo Pedro (sobrevivente do “campo da morte lenta” do Tarrafal, quando era um jovem comunista, tendo aderido ao PS após o 25 de Abril e chegado a deputado), em entrevista ao Público de 8.11.2008, afirmou que o verdadeiro chefe do 25.11 foi Vasco Lourenço e que Eanes foi apenas o operacional, de quem recebeu 150 G3 para distribuir por militantes do PS. Mário Soares confessou ao seu biógrafo Joaquim Vieira que o chanceler Willy Brandt (que o jornalista Miguel Szymanski, no passado dia 26, na Antena Aberta, lembrou que tinha sido descoberto como agente dos EUA na Alemanha) lhe pusera à disposição muito dinheiro, através da Fundação Friedrich Ebert (financiada pelo Estado alemão), mais do que a Itália, a Suécia e a Noruega, onde partidos social-democratas governavam, e que “os ingleses mandaram um navio cheio de petróleo para abastecer os aviões lá do Norte, que não usámos”. E o New York Times de 25.09.1975, com Soares em Washington, noticiou o financiamento do governo dos EUA ao PS, canalizado pela CIA (o “amigo” Carlucci que Soares dizia que lhe telefonava todos os dias) através de sindicatos (anti-comunistas).
Vasco Lourenço e a Associação 25 de Abril recusaram ir à cerimónia do 25.11, por discordarem da sua equiparação ao 25 de Abril. Eles bem sabem que o golpe não serviu para “salvaguardar o pluralismo e a democracia”, como alegaram os proponentes da celebração, porque o pluralismo e a democracia libertadas em Abril foram ampliados e existiam em alto grau durante o “PREC”. Provavelmente, também por estarem arrependidos de abrir caminho a um regime de “rotativismo” entre a direita e o centro, gerador de corrupção, desigualdades sociais, frustração, ressentimentos e desencanto com a democracia de baixa intensidade que levou à erupção dos populistas neoliberais e da extrema-direita racista, xenófoba e salazarista que agora querem cavalgar a versão mitificada do golpe que aqueles militares, ditos moderados, protagonizaram conluiados com civis às ordens do Imperialismo e das suas metástases na Europa.
O que foi derrotado no 25-11 foi a democracia directa e realmente participativa que o povo português exerceu, nos quartéis, nas fábricas e nos bairros, em comissões e assembleias de trabalhadores, de moradores, de soldados e marinheiros e outras formas de poder popular e controlo operário, ao transformar o golpe militar para acabar com a ditadura e a guerra colonial, na revolução popular que criou as maiores conquistas do 25 de Abril.
O PCP continuou no governo e a Constituição da República de 2 de Abril de 1976, aprovada por todos os partidos, incluindo o PCP e a UDP, e apenas com o voto contra do CDS, deixou consagrada a “decisão do povo português (…) de abrir caminho para uma sociedade socialista”, a proibição de organizações racistas, “a abolição do imperialismo”, a “dissolução dos blocos político-militares”, e muitos direitos sociais e humanos por cumprir, que temos de continuar a exigir.
A Constituição é a última trincheira da democracia, mas tem sido tratada como “letra morta”. Não podemos viver o resto da vida numa trincheira à espera que o inimigo se canse e recue na sua ofensiva para a destruir. É tempo de juntar forças no combate pelo único regime que pode defender a democracia e vencer a extrema-direita fascista: o Socialismo! A prova de que o capitalismo nunca poderá ser alternativa ao fascismo (que não passa do seu braço armado, mas que por vezes “toma o freio nos dentes” e se vira contra o próprio dono, como os cães raivosos) fica provado com a aliança entre a belicista Ursula von der Leyen e a neofascista Meloni, ou, mais nitidamente, com a cumplicidade da UE (incluindo os governos do PS e do PSD, em Portugal) e dos EUA (com Trump e com Biden) com os criminosos governos de Israel em décadas de massacres de palestinianos, em Gaza e na Cisjordânia, e no actual genocídio, condenado internacionalmente pelos dois tribunais de Haia (TPI e TIJ) e pelos povos.
Socialismo ou barbárie!
(Ilustração de Carlos Vieira)