O português péla-se por uma polémica, mesmo que ela seja iníqua, inócua, imbecil. Quando não há motivo, inventa-se.
Para mais em tempo de pandemia, quando as notícias são sempre as mesmas, só divergem os números, as percentagens e convergem as incertezas e os medos.
A discussão ao redor das comemorações do 25 de Abril é o mais recente exemplo.
Não, não sou contra as celebrações do 25 de Abril.
Sou contra o modelo adoptado, que só permanece pela teimosia dos que, podendo, podem mesmo. E se aproveitam de todos os momentos, os mais singelos, para mostrarem quem manda e até onde o desmando pode ir.
Não é pelos reduzidos riscos de contaminação, que serão poucos. Estou certo que todos os excelsos e eminentes eleitos se apresentarão de máscara, cirúrgica ou social, até de viseira e não darão encostos.
É pelo sinal, é pelo exemplo, pela autoridade que se perde quando aquele não se dá.
E se há coisa que o povo, qualquer que ele seja, do Alasca à Nova Zelândia, espera de um político é o exemplo, imitando o bom, acoimando o mau.
Não cai bem impedirem-me de visitar um familiar, que até precisa, e depois irem em procissão para uma festa, que não vem mal ao mundo que, por uma vez, não se faça.
Estou cansado de ouvir comentadores dizerem que o modelo de há quase meia década está esgotado, que é uma missa com os padres do costume, os acólitos de sempre, e fiéis adormecidos, alguns em fase de descrença do mítico dia da libertação.
Era, então, uma boa altura para inovar.
Por exemplo, apenas com a presença da mesa da AR, o PR, o PM, os líderes, partidários e parlamentares.
Por exemplo, discursando da varanda coberta do Parlamento, seguindo o modelo das celebrações do 5 de Outubro.
Ou todos, cantando, a “Grândola, vila morena”, nas varandas ou à janela de cada casa.
Fazia-se na mesma uma coisa bonitinha, mais higiénica e com o mesmo espírito.
E não se venha com a conversa da democracia não estar suspensa porque no estado de emergência a dita está, de certo modo, confinada, com alguns direitos limitados e liberdades individuais condicionadas.
E, por favor, não venha a deputada Ana Catarina Mendes, que ainda não houvera nascido quando eu já comemorava o 25 de Abril, às portas do Carmo, subindo o Chiado, até ao Camões, dizer que ser contra é uma questão ideológica. Essa é uma forma redutora e arrogante de lidar com as diferenças e com o contraditório.
Não sou menos democrata nem menos patriota do que quem assim apostrofa a diversidade.
O que se passa é que o poder tem um raio de um tique, absolutamente doentio e intolerável.
A mania de que tem sempre razão, e que os que não pensam como ele, são contra ele.
Tenho pena que, quem deve, apesar de ter uma biblioteca riquíssima na AR, não aprenda com a História.