E se a União Europeia tivesse sido deliberadamente construída e pensada para ser um sistema federalista condicionador e restrictor dos poderes soberanos, uma espécie de controlo da democracia?
Pierre Mendès France proferiu estas palavras em 1957:
“A abdicação da democracia pode ser conseguida de duas formas, ou pelo recurso a uma ditadura interna concentrando todos os poderes num único homem providencial, ou por delegações desses poderes numa autoridade externa, a qual, em nome da técnica, exercerá na realidade o poder político, que em nome de uma economia saudável facilmente irá impor uma política orçamental e social.”
O Portugal saturado de “homens providenciais” como António de Oliveira Salazar e Marcelo Caetano (desde finais da década de 20 até 1974 = aproximadamente 47 anos) quis ir na onda de Monet e Schumann, os arquitectos da UE e da UEM (União Económica e Monetária, vulgo Moeda Única).
Mau grado muitas análises previsionais negativas — até na literatura, com “A Jangada de Pedra”, de José Saramago, 1986, por exemplo, a força avassaladora para a entrada gratuita no “clube dos ricos” obliterou completamente a visão acerca das consequências da adesão, apenas vislumbrando as grandes benesses que daí seriam oriundas.
Hoje, que se começa a perceber que por detrás de tudo existia já uma lógica proteccionista dos países mais conservadores, a Europa ferozmente neoliberalizada tornou-se um vasto campo assimétrico regido por instituições como o BCE que e no dizer de Paul de Grauwe, “Economics of Monetary Union”, OUP, 2014: “os bancos centrais foram criados para lidar com a instabilidade financeira que é intrínseca ao sistema capitalista.” e Paes Mamede (infra): “Um dos papéis mais relevantes daquelas instituições consiste em actuar como prestamista de último recurso, disponibilizando liquidez aos Estados quando estes deixam de conseguir financiar-se junto dos mercados financeiros (nomeadamente quando, num contexto de crise, os Estados se vêem forçados a assumir parte das dívidas do sector privado)…”, in “O que fazer com este país”, de Paes Mamede, R., (ed Marcador, 2015) .
Aqui, vem a propósito, uma carta aberta do candidato à presidência da República, Henrique Neto escrita ao actual titular, Aníbal Cavaco Silva:
Excelência
Os portugueses sabem por experiência que Vossa Excelência encarou sempre de forma muito peculiar os poderes presidenciais, razão pela qual ao longo dos últimos dez anos presidiu a uma das maiores destruições de riqueza da nossa história, sem qualquer intervenção significativa que o evitasse. Porque não é credível que, tendo à sua disposição todas as informações existentes nas instituições da República, não tenha previsto os prejuízos que resultariam de uma política de obras públicas irracional, de um indecoroso nível de endividamento externo, dos enormes prejuízos que esse endividamento não reprodutivo causaria às actuais e futuras gerações, ou as desastradas intervenções e omissões do Estado nos casos do BPN, BPP, BES/GES, PT, BCP, parcerias público-privadas e o crescente nível de corrupção que levou à acusação e prisão de um número elevado de pessoas pertencentes ao topo da política e da administração portuguesas, algumas das quais antigos e fiéis servidores de Vossa Excelência. Sendo que todas essas pessoas, agora sob suspeita ou já condenadas, sobreviveram bem, durante muitos anos, ao escrutínio político da Presidência da República.
Acontece entretanto que, no final do mandato de Vossa Excelência, que seria desejável terminasse com dignidade, é incompreensível que não proteja o uso da língua portuguesa na União Europeia ao aprovar sem comentário público o fim do direito do uso da língua portuguesa na questão das patentes e se mantenha calado, sem uma palavra de condenação, sobre a impensável decisão do Governo de concessionar a exploração do Metro do Porto e do serviço da STCP, a menos de dois meses das eleições legislativas. Intervenção presidencial que teria pelo menos o mérito de defender o bom nome das entidades intervenientes, evitando mais suspeições e investigações que afectem a credibilidade e a isenção do nosso sistema político.
Com os meus cumprimentos,
Henrique Neto