Assinalaram-se no ano passado os cem anos da pandemia gerada pela pneumónica ou gripe espanhola.
Em Portugal tinha-se há pouco saído da I Grande Guerra que tantos dos nossos militares vitimara. Vivia-se um período de convulsões e agitação política no seio da República proclamada em 1910 e a grande miséria alastrava por too o país, com maior visibilidade nas cidades de Lisboa e Porto.
Em 1918 a pneumónica chega a Portugal. Alastrada a todo o mundo, ainda hoje os estudiosos têm dúvidas acerca das vítimas por ela causadas. Para os mais optimistas terão sido vitimadas 50 milhões de pessoas. Para os mais pessimistas esse número terá dobrado. Esta tão abissal dúvida prende-se com a falta de registos à época quase inexistentes.
“Em Portugal a gripe terá infetado entre um quinto e um terço dos cerca de seis milhões que então compunham a população residente, ou seja, entre 1,2 e 2 milhões de pessoas. Com a particularidade de ter atingido especialmente a população em idade ativa, entre os 20 e os 40 anos, reforçando assim o seu impacto na economia, no mercado laboral, na fertilidade, na vida familiar e na organização social em geral. Quanto ao número de mortes causadas pela doença, ele permanece por apurar com rigor. Durante muito tempo aceitou-se que poderiam ter sido entre 60 e 100 mil, mas investigações mais recentes apontaram para um número concreto bastante superior, de 135 257 óbitos.”
Era presidente da República Sidónio Pais quando a gripe espanhola se declarou. Sidónio Pais não lhe viu o fim, pois foi vítima de um atentado levado a cabo por José Júlio da Costa, na Estação do Rossio, a 14 de Dezembro de 1918. Segui-se-lhe Canto e Castro, até Outubro de 2019. A este sucedeu-lhe António José de Almeida.
Ente 1918 e 1919 a pneumónica ou gripe espanhola matou mais de 135 mil portugueses.
O jornal A Lucta, fundado em Lisboa a 1 de janeiro de 1906 por Manuel de Brito Camacho, de quem Aquilino Ribeiro publica a biografia em 1942, foi um diário republicano preponderante na época. Escrevia então:
4 de Outubro de 1918:
Pode dizer-se que já alastrou por todo o País, e em Lisboa grassa ela com intensidade.
Mandou o governo que não prosseguissem os exames nos liceus, e que todos os estabelecimentos d’ensino não funcionem, até nova ordem.
É certo que os teatros e os animatógrafos continuam abertos, e ahi a multidão, para efeitos de contágio, é mais perigosa que nas escolas.
Divergem as opiniões quanto à natureza da doença …
(…)
Conveniente seria (…) que até que a epidemia cesse, não atravessem processionalmente os cadáveres a cidade, em longos comboios fúnebres, repetidos a cada hora.(…)
10 de Outubro de 1918:
O Director-Geral da Saúde, nomeado Comissário Geral do governo com plenos poderes para combater a epidemia, o médico Ricardo Jorge tomou medidas que além de salvarem muitos portugueses, se revelam ainda actuais.
Eram sete as principais medidas preconizadas:
Obrigatoriedade da notificação dos casos, através dos delegados de saúde de todo o país, que teriam de concentrar a informação na Direção-Geral da Saúde, transmitindo-a telegraficamente;
A higiene dos doentes;
A inibição das migrações militares e agrícolas;
A requisição dos espaços públicos para instalação de hospitais;
A organização dos serviços de saúde;
A distribuição do serviço médico e farmacêutico nos distritos para atendimento dos mais pobres;
A formação de uma comissão de socorro para o acompanhamento da epidemia.
Tenhamos presente que a terapia vigorante era à base de “caldos de galinha, água com açúcar, sumo de limão, de laranja, gargarejos mentolados. Como terapêutica para a redução da febre eram utilizadas soluções de quinino e os salicilatos.”
Esta enorme tragédia alimentou-se da miséria existente, afectando particularmente as classes mais desfavorecidas e estendeu por todo o país o “espectáculo da morte”.
Os cadáveres amontoavam-se, os hospitais não davam resposta às exigências, improvisaram-se hospitais em casas particulares e em liceus, nos ginásios e nas salas de aula. Não havia sequer capacidade de enterrar os mortos que se amontoavam em salas de aula, capelas improvisadas e tendas de última hora, à entrada dos cemitérios.
Passaram-se 101 anos…