Pedro Mexia, em “Biblio Teca”* escreve – entre muitos outros temas – sobre o tempo. Da importância obsessiva que ele tem para nós, não só na sociedade actual como, por exemplo, já nas “Confissões”, de Santo Agostinho com um milénio e meio de existência.
O tempo rege a nossa existência desde o nosso nascimento até ao nosso fim. A nossa linha diacrónica, toda ela composta pelas diversas sincronias ou fases/momentos cronológicos da nossa existência é, diremos assim, uma espécie de metro graduado nos seus 100 centímetros.
Porém, se nos perguntarmos o que é o tempo, muita dificuldade teremos em dar uma explicação inequívoca acerca dele. Ademais, o tempo tem tantos cambiantes… do real ao psicológico, do instante que dura horas, às horas que voam como segundos…
Outrora, os ociosos – praticantes dessa superior ciência de profícua ocupação e saboreio do tempo livre – tinham tempo para quase tudo. Até para se entediarem muito fleumaticamente e em grande estilo. Pelo contrário, “os braços do trabalho” sentiam um tempo de labor esgotantemente pesado, insuportável, quase sisifiano.
Hoje, ninguém tem tempo para nada. Mesmo tendo-o personifica e assume um inconsciente pudor em admiti-lo, talvez com receio de ser tomado por um improdutivo, incapaz, parasita, desnecessário, descartável…
Há muito fiz do tempo um estimado companheiro, que muito respeito, a fluir paulatinamente na minha ampulheta diacrónica. Tenho tempo para tudo e, muitas das vezes, sobra-me tempo. Que pena não podermos empacotar, embrulhar, enfrascar esse tempo que nos sobra…
É que, de repente, num ápice mais vertiginoso que o esperado, chegamos ao fim do nosso tempo e percebemos que precisávamos de mais três vidas para a amplitude dos nossos anseios e, também, para pormos em prática tudo quanto durante décadas, com ou sem esforço, fomos aprendendo. Essa aprendizagem e/ou ciência sem livros nem enciclopédias ou tratado, antes vivida na própria fonte do nosso existir.
Porém é quando alguém que nos era afectivamente próximo desaparece em definitivo (fugimos muito do verbo “morrer”), que na angústia indizível da perda, percebemos quão pouco tempo lhe consagrámos face à importância que tinha. Como também quanto e excessivo tempo concedemos a quem nem uma hora nos mereceria. Paradoxal e ironicamente passamos a maior parte do nosso tempo com gente dessa…
Pedro Mexia acaba assim o ensaio: “Não há passado, mas lembrança; não há presente, mas atenção; não há futuro, mas espera.”
Daí, que a lembrança, a atenção, a espera sejam meras vagonetas onde acabamos por compartimentar o nosso tempo passado e presente, na sua imprevista viagem, imparável, para a derradeira estação. O lugar. O futuro.
*Edições Tinta da China, 2015, c/ prefácio de Eduardo Lourenço