Os ladrões modernos

Neste ínterim, a Justiça tende, no seu secular conservadorismo, a evoluir muito mais lentamente do que os conceitos que preserva e as normas pelas quais zela. O que dá um amplo intervalo operativo aos novos golpistas e aos modernos métodos todos os dias inventados e funcionalizados no ataque singular e colectivo aos cidadãos.

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  • 19:04 | Sexta-feira, 26 de Março de 2021
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“Como é possível evitar o roubo quando o sistema económico mundial está constantemente a roubar em meu nome sem o meu conhecimento?”

Harari, Yuval Noah – 21 Lições para o Século XXI, ed. Elsinore, 2018.

 


No capítulo 16 do livro supra referenciado, sob o tema “Justiça – A nossa noção de Justiça pode estar ultrapassada”, o autor apresenta a sua teoria sobre os ladrões, o roubar, o que a quem e como, e a interpretação da Justiça à luz de conceitos em feérica alteração.

De facto, a noção de que roubar “significava apoderarmo-nos fisicamente de algo que não nos pertencia”, hoje com o mundo globalizado e com a proliferação de novas concepções, nomeadamente no âmbito da economia mundial, a evolução do reprovável acto tornou-o em algo muito complexo e, muitas vezes, blindou-o e desporviu-o de penalização, até e na ignorância de quem são os ladrões. Das florestas, dos rios, das reservas naturais, dos animais… até às magnas instituições que controlam a finança mundial, raramente imaculadas, antes de mãos muito sujas, até de abundante e anónimo sangue.

Neste ínterim, a Justiça tende, no seu secular conservadorismo, a evoluir muito mais lentamente do que os conceitos que preserva e as normas pelas quais zela. O que dá um amplo intervalo operativo aos novos golpistas e aos modernos métodos todos os dias inventados e funcionalizados no ataque singular e colectivo aos cidadãos.

Ademais, os grandes ladrões, com os seus milhões estão a “léguas” dos parcos recursos da Justiça institucional, usando os grandes e sofisticados cérebros altamente especializados em contorná-la, em adiá-la, em subvertê-la, em ultrapassá-la.

E bem vemos quão difícil é agir sobre uma empresa que e por parco exemplo, recorrendo a meros actos da chamada “engenharia financeira” (por eufemismo, mais um roubo ao léxico…), sonega informações e deixa de pagar milhões em impostos; ou o caso dos bancos fraudulentos que roubaram biliões aos depositantes e mais tarde aos contribuintes que pagam pelas suas más práticas; ou quantos em aviltantes esquemas de corrupção se apropriam de fabulosas quantias; ou os piratas informáticos, os ladrões de informação que afinal são empresas mundialmente reconhecidas; ou aqueles “empresários” que de esquema em esquema, acautelando milhões em paraísos fiscais, se tornam repentinamente insolventes e pobres como Job, et all.

Afinal parece que hoje a noção de roubo, conforme fomos habituados a entender, só se adequa aos miseráveis ladrões de “migalhas”.Quanto à Justiça, só consegue ser muito operante para aqueles que não usam “colarinho branco” e não têm meios para a “travar”, se tornar invulneráveis ou impunes.

 

 

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