No final do século XIX, um aguadeiro galego em Lisboa escrevia (ou mandava escrever) aos seus familiares na Corunha: “Os portugueses são boa gente, até nos compram a água que é deles.”
Hoje, é este o retrato de 10 milhões de portugueses.
Num semanário desta semana, sub-repticiamente e numa altura que tem vindo a ser questionado o elevado preço da água consumida em municípios que “venderam” por 30 ou mais anos a concessão da água pública a privados, surge um artigo com o título “É uma vergonha os municípios perderem 60% da água”, no qual um gestor de nome António Cunha, presidente da Aquapor, que explora a água em 70 municípios, passa ao ataque, para justificar os preços cobrados com a ineficiência das autarquias.
E com esta afirmação e a fazer nela fé, o gestor devolve a bola aos municípios referindo haver “uma publicidade negativa nos meandros decisórios” e vai mais longe criticando o facto de existir “a possibilidade de as autarquias terem acesso a verbas para resgatar concessões” o que, segundo ele “dá cabo de um sector que existe há 30 anos, investiu 1,2 mil milhões de euros e emprega milhares de pessoas”.
Acaba esta “espécie de entrevista” com chave de ouro, passando um brutal diploma de incompetência às autarquias: “É uma ideia absolutamente falaciosa que os municípios possam fazer o que os privados estão a fazer”.
Certo é que as águas são um grande negócio. Certo é que basta ir ali, por exemplo a Tondela, para perceber quanto é que os munícipes pagam a mais por comparação com autarquias onde a água não é explorada por privados. Mas também é certo que basta olhar para a factura da água que recebemos em casa, do SMAS, Águas de Viseu, ainda não privatizadas apesar da vontade do executivo camarário nesse sentido, para entendermos como a edilidade vai ao bolso dos seus fregueses, aumentando a linfa vital sem precisar da ajuda dos privados…
Na “peça” jornalística em epígrafe, ficamos ainda a saber que a Aquapor factura anualmente 110 milhões e desses tem um lucro de 14 milhões de euros.