Num mundo virtual tudo é possível. Até a congeminação de uma ficção onde aparece como protagonista um “berlusconi” que aproveita uma edição mais ancha de um opúsculo, com figurantes de primeira água, chama um seu impedido, e diz-lhe: Vais-me biografar…
Depois, neste mundo irreal, de pura e inverosímil maravilha, tal Mundo de Alice, ficamos a saber quão excelente é o herói, quais as amaviosas motivações da sua movimentação, como e tão bem dança o fox trot, a valsa vienense, o twist e o tango argentino, os seus inícios nas singelas ocupações do ócio, os seus amores por “power men“, a sua inexcedível filantropia, as suas capacidades corais de operático barítono, o seu pragmatíssimo potencial de antecipação argumentativo, a grande terra que foi a lusitânia de Viriato e, cereja em cima do bolo, “murdochiano” remate, a imensa paixão nutrida pela comunicação global isenta e imparcial.
É uma “short story” com tessitura de Kafka e Orwell, diegese de cinematografia de suspense tipo “Psycho”, de Hitchcock, de fantástico do género” Star Wars”, de Lucas e “O Senhor dos Anéis”, de Tollien, onde a culminância da acção tem no “herói” e na empáfia da presunção o seu clímax, sustentado na vertiginosa “peripateia” da suposta capacidade que a impudente cegueira concede de tomar todos os outros por parvos, ingénuos, cândidos ou idiotas.
Tal desiderato não é obra menor… exige arte, pernas de atleta, cabeça de deslumbrado e fé de peregrino. Há uma versão semelhante retomada por Saramago, baseada na teoria da cegueira e provável existência de um só olho.
Na cultura grega havia algumas correntes filosóficas que explicariam parcialmente este ideário. Mas já passaram dois milénios, e entretanto, a decadência dessa civilização fez de um grande império um pórtico adornado por um frontão triangular rachado e três colunas jónicas, por terra quebradas.
Esta nova “série” vai no início. O tempo, esse inexorável desavergonhado, até a carne limpa dos ossos, deixando-os a fulgir ao sol. Nada lhe escapa. Como a rábula do azeite e da verdade. De camarote, plácidos e com o libreto na mão, assistimos a esta entusiasmante ópera.
Entretanto ouvimos, do grande Rui Veloso, “Todo o tempo do mundo”…