O que há de comum entre José Alfredo e Paulo Ribeiro?
… Pouco. Muito. São ambos artistas. Estão ou são de Viseu, não interessa. Em termos de Teatro Viriato, um está em palco, à boca da cena e dança, outro está na plateia, na última fila e fotografa. Paulo Ribeiro exprime a sua arte pelo movimento e expressividade corporal. Coreografia. Dança. José Alfredo exprime a sua […]
… Pouco. Muito.
São ambos artistas. Estão ou são de Viseu, não interessa.
Em termos de Teatro Viriato, um está em palco, à boca da cena e dança, outro está na plateia, na última fila e fotografa.
Paulo Ribeiro exprime a sua arte pelo movimento e expressividade corporal. Coreografia. Dança.
José Alfredo exprime a sua arte pela captação, sensibilidade e perpetuação do movimento em instantâneos. Imobiliza-o. Fotografa.
Ambos seriam mestres de sua arte em qualquer parte do mundo. Temo-los em Viseu e muitos de nós não os conhecem.
(E não me chamem de iconoclasta, sff…)
Esta realidade é tão evidente, a da competência destes dois artistas, que por vezes precisamos de ver publicações nacionais de referência para intuirmos e reiterarmos do seu valimento geral e concreto, como foi o caso esta semana na Atual do “Expresso”.
A crítica Cláudia Galhós ao fazer as suas escolhas anuais sobre dança colocou em primeiro lugar Sem um tu não pode haver um eu , de Paulo Ribeiro. Ao lado, compaginado, este solo do coreógrafo ilustra-se com mais uma das extraordinárias imagens de José Alfredo.
Há muito a dizer sobre ambos. Mas dizer sobre é redutor. Mais vale assistir a um espectáculo daquele e visitar uma exposição deste, ou então, visitar, revisitar os inúmeros livros que tem ilustrado, destacando, entre muitos outros, os que tem feito para publicações do historiador Alberto Correia (e 2013 foi pródigo neles…).
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João Carneiro, o sapiente crítico do “Expresso” – de quem tive o gosto de ser colega na FLUL – acerca do custo da arte, assina esta semana um lúcido texto incidindo sobre o panorama teatral português (sua mais que todas especialidade).
No seu título fala em “resíduo e obstinação” e nestes dois substantivos enferma um estado, o dos “espectáculos exemplares e residuais”, entendendo o resíduo “como lugar privilegiado” (…) inconvertível em números e insujeitável a “lógicas de consumo imediato e descartável” e a obstinação, essa forma de teimosa perseverança, como um modo “exemplar de sentir, de reflectir e de resistir ao embuste generalizado que paira sobre as nossas vidas.”
(Muito se poderia escrever sobre o “embuste generalizado” e sobre o homem que adora trapaças, ou ser enganado… tanto como aquele que, assazmente, se engana a si próprio e/ou é trapaceiro).
Aquilo que também já escrevêramos acerca dos custos do tempo é aqui retomado. A arte é cara. O conhecimento é caro. “Precisam de tempo”. E o “verdeiro conhecimento, contrariamente à informação, também é caro”.
(Só esta dualidade entre verdadeiro conhecimento e informação daria azo a dez capítulos… Ou como comparar o homem vitruviano do “cinquecento” com o “homos-mono-tecnocrata” do século XXI, que o mesmo é dizer: um fabiano conhecer a mecânica quântica de trás para diante, mas ignorar quem foi Marcel Proust, Helena Vieira da Silva ou Igor Stravinsky, por exemplo.)
Nestas poucas palavras está toda uma síntese concentrada do presente e do consumo massificado de lixo espectacular, no sentido de ser apropriável pelo espectador, da efemeridade temporal fruto da (re) evolução sucessiva de técnicas, inventos, ares novos… da clique-acessibilidade, da híper informação, mas está também a imperiosidade de um gesto novo, o gesto da recusa, do critério, o acto da teimosia às cedências aleatórias e facilitistas.
Isto é o referido “embuste generalizado”, esse ardil, logro ou patranha que quotidianamente persiste no embrutecimento colectivo ou carneirização das massas. Numa era plastificada, dourada e do prêt-à-porter, há que recorrer ao imediato, ao consumível e ao kleenex. A seda de outrora é inacessível e a popelina, se já foi tecido de papas (papaline), com tafetá e algodão… tornou-se hoje uma mistura sintética, fina, acetinada e tão falsa quanto as contrafacções levantinas… Mas faz bons plissados, dizem os entendidos.
Era do trompe-à-l’oeil, da melifluolidade, onde o ser asfixia sob o parecer, onde o resíduo é só mero lixo e se privilégio, tão induradoiro que se assemelha a um fumo no ar, ou perfume.