O enterro do Entrudo no Carregal

    O Entrudo é um ritual pagão, remontando à Antiguidade Romana, comemorado em honra de Saturno, rei dos deuses e divindade agrícola. A própria designação «Entrudo», do latim introitus (intróito), tem o significado de introduzir, dar entrada, começo ou anunciar a aproximação da quadra quaresmal. O Carregal é uma freguesia do concelho de Sernancelhe. Dela nos […]

  • 23:43 | Quinta-feira, 15 de Fevereiro de 2018
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O Entrudo é um ritual pagão, remontando à Antiguidade Romana, comemorado em honra de Saturno, rei dos deuses e divindade agrícola. A própria designação «Entrudo», do latim introitus (intróito), tem o significado de introduzir, dar entrada, começo ou anunciar a aproximação da quadra quaresmal.
O Carregal é uma freguesia do concelho de Sernancelhe. Dela nos escreve o abade Vasco Moreira:
“A quem sobe de Adbarros para o Sul, por uma íngreme encosta, fortemente acidentada de barrancos e socalcos, povoados de pinheiros retorcidos do vendaval e das neves invernais, em que se espreguiça a urze ao lado dos negros blocos de granito, depois de ter andado, por vereadas tortuosas e caminhos torcicolares, cerca de três quilómetros, depara-se a povoação do Carregal, sita em lugar alto e sadio.
Pois nesta terça-feira fria e morrinhenta foi lá, ao “lugar alto e sadio” que rumámos, para acolitar o finado à cova.
Na Associação do Carregal, edificação sem ademanes pelo povo construída, foi aprazado o encontro. Lá chegados, já os homens avivavam o braseiro e as mulheres, gaias e laboriosas, faziam cerco às panelas e aos tachos de ferro.
Antes, tinham os organizadores adquirido cevado bísaro, que deu sustento para as quase 200 penitentes almas que ali amesendaram, a troco de delgada espórtula: 7,5 euros, que davam direito a matar a sede e a exorcisar o frio, a uma feijoada de cinco assobios, com aquela carniça sápida cozinhada nas panelas de ferro de antanho, as coives da horta e os feijões do quintal. O arroz doce, na sua suave ufania, rematava o festim.
Velhos e novos num convívio genuíno, serrano, beirão… A música não tardou e as rebaldeiras toaram alto e, se pés com frio havia, logo o bailarico os esquentou. Até passar das 17, foi rijo o arraial.
Dizia o presidente da autarquia, Carlos Silva, um filho da terra, presente com a mulher, as filhas, os pais, o irmão, a cunhada, a sobrinha… todos numa fona azafamada, que ali ninguém coça o fundo dos bolsos, que se Aquilino fosse vivo, decerto estaria ali no adjunto, no arraial se divertindo.
O vereador da cultura, Armando Mateus, com toda a família. E só não estavam o Carlos Santos e o Hélder Lopes, por mor d’outros compromissos.
Os Carregalenses são um povo unido pela origem, pelos laços familiares que ali e além se entrecruzam, pela sua genuinidade telúrica bem entorgada e por uma amizade solidária que os traz de toda a parte, do sul ao norte, para o convivial Entrudo.
 
Veio o padre a rigor trajado, sem que nem sacristão lhe faltasse, trouxe-se o Entrudo encruzado e, trupe que trupe, com as carpideiras inconsoladas atrás gritando, lá se foi até à Portela, a dar repouso ao finado.
Vinha a noite chegada e a nortada a soprar rija quando nos metemos ao caminho do retorno. Cansados de tanto “labor”, apaziguados de fome e sede e, até do frio arredios.
Em Cinco Réis de Gente, o carregalense Aquilino Gomes Ribeiro, filho do Pe. Joaquim Francisco Ribeiro – naquele tempo os párocos não se escondiam nas sacristias – designou ficcionalmente aquelas bandas como Lombas de Baixo e Lombas de Cima, dando razão aos “socalcos e barrancos” do abade Vasco Moreira. Mas o que certo e essa certeza não se arreda, é ser terra de gente sã, solidária e mais fraterna, que muita seita que dela arauta se intitula.

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