Natal com Aquilino e com os estimados leitores da Rua Direita

    Há dias em que não cura escrever sobre as trampolineirices que por aí vão e são o pão-nosso-de-cada-dia, seja nas autarquias, na banca, na saúde, no governo, na oposição… Até se nos embota a mão da escrita e se perde o talhe para outras arremetidas sobre assuntos “decentes”. Amanhã é dia da Consoada. […]

  • 11:44 | Sexta-feira, 23 de Dezembro de 2016
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Há dias em que não cura escrever sobre as trampolineirices que por aí vão e são o pão-nosso-de-cada-dia, seja nas autarquias, na banca, na saúde, no governo, na oposição…
Até se nos embota a mão da escrita e se perde o talhe para outras arremetidas sobre assuntos “decentes”.
Amanhã é dia da Consoada. Perdemos o tempo da muita gente à mesa e do convívio familiar e fraterno. Vicissitudes que o existir, quando se alonga, carreia em si.
Este ano de 2016 foi marcante e profícuo na missão de divulgar Aquilino. Com o maior gosto nos envolvemos, com outros destacados e fundamentais protagonistas, em acções múltiplas:
Editou-se a revista literária “aquilino“, com uma fotobiografia actualizada do Mestre.
Reeditou-se o livro “Cinco Réis de Gente” que retrata os primeiros dez anos ficcionados de vida de Aquilino Gomes Ribeiro na terra que o viu nascer, o Carregal, fruto de um protocolo entra a Bertrand Editora e a Câmara Municipal de Sernancelhe. Saiu um trabalho “asseadíssimo” de créditos devidos a todos quantos nele se envolveram.
Gizou-se um protocolo entre a Fundação Aquilino Ribeiro, em Soutosa e o Museu Abel Manta, em Gouveia, que será assinado no início do ano pelos autarcas respectivos, assim consensualizem a data, por mor de suas muitas devoções.
Deram-se os passos acertados para a reedição, na primavera de 2017, da obra “O Homem da Nave”, que já tem como prefaciador um dos maiores académicos portugueses, a seu tempo divulgado, e que será apadrinhada pelo município de Moimenta da Beira.
Cedemos parte do nosso acervo bibliográfico para uma longa exposição na Casa da Cultura de Castro Daire.
Vimos nascer o documentário no qual tomámos parte, “Escritores a Norte – Aquilino Ribeiro”, produzido por Mário Augusto e co-patrocinado pela DRCN e autarquias das Terras do Demo.
Fomos falar “Aquilino” a vários locais, em diversos eventos, para públicos diversificados, desde jovens estudantes a docentes do ensino superior.
Escrevemos para publicações diversas.
Os envolvidos neste percurso foram vários e incansáveis.
Uma palavra de louvor à reiterada forte dinâmica da autarquia de Sernancelhe.
Missão cumprida.
 
Porque é Natal, deixamos um extracto tirado de “Terras do Demo” (1919), invocado por Aquilino em “O Livro do Menino Deus” (1945), respeitada a grafia da época.
 
Ia nascer o Menino Deus. Já a beata da Clarinha mai’lo João Lájeas lhe armavam a cabana, côlmo de palha, chão de musgo e uma manjedoira para a burra e para a novilha, que era mocha, salvo seja. Em guisa de paredes punham velhos chamalotes, e em torno do berço zagais com anhos às cavaleiras, magos de bornal farto e a rude malta dos caminhos. A Clara pernóstica todos os anos mandava cortar à Glórinhas, que tinha muito boas mãos, uma camisa nova para o Menino; camisa de fina olanda, cóscora de goma, colarinho à marialva, e ele que era mesmo um torrão de açúcar ria, ria, nem que lhe estivessem a fazer cócegas no umbigo. E assim fagueiro, nas sombras esvaentes da missa do galo, à luz de velas pouco maiores que pirilampos, o dava a beijar o senhor padre, murmurando:
— Venite adoremus.”
“Lá fora, lutando com as trevas, a fogueira enorme do adro deitava, nas colhidas do vento, labaredas que ensanguentavam os muros e vinham laivar, como água-tinta duma profecia aziaga, a carne rósea do Menino. Todos tocavam com os beiços gretados pela intempérie os membros envernizados da imagem e na bandeja depunham o óbulo: um tostão novo, um vintém reluzente, melápios, uma pera morim. E rompia a cantoria estrídula, que os anjos pela certa acompanhavam no Céu em seus arrabis e sanfonas de prata:
 

Pastorinhas do deserto,

Levantai-vos que é de dia;


Há muito que o sol é nado

No regaço de Maria.

 

Deixai cajado e manta,

Vinde todos a Belém

Adorar o Deus Menino

Nos braços da Virgem-Mãe.

 

Leva arriba, pastorinhos

Leva arriba, maltesia,

Já lhe está a dar a mama

Sua mãe Virgem Maria.”

Desejamos a todos os leitores do Rua Direita um Natal com harmonia.

(Imagem: Presépio da Igreja da Lapa, autoria de Machado de Castro)

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