Morte anunciada…

  … o que levou Charb a afirmar que preferia “morrer em pé do que viver de joelhos”. Há quem não entenda. Pior. O ataque foi reivindicado pela Al-Qaeda ou Jihad. Estamos perante células de extremismo fundamentalista de um fanatismo e intolerância inconcebíveis para a nossa mentalidade e cultura. A cruel frieza com que se procede […]

  • 13:54 | Quinta-feira, 08 de Janeiro de 2015
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… o que levou Charb a afirmar que preferia “morrer em pé do que viver de joelhos”.
Há quem não entenda. Pior.
O ataque foi reivindicado pela Al-Qaeda ou Jihad. Estamos perante células de extremismo fundamentalista de um fanatismo e intolerância inconcebíveis para a nossa mentalidade e cultura.
A cruel frieza com que se procede ao julgamento sumário e à exterminação de gente cujo “crime” é usar a liberdade de expressão, diz tudo sobre o agir destes radicais. Embora já não houvesse dúvidas disso após o 11 de Setembro. E contudo, preciso é também que se diga que a Al-Qaeda foi estimulada, treinada e financiada pelos EUA, aquando do conflito entre a Rússia e o Afeganistão…
Inaudito gesto este que conseguiu por instantes unir 66 milhões de franceses. E amanhã? Será que o Front National de Marine Le Pen não vai tirar dividendos exacerbando a xenofobia? Será que o fascismo não vai ser o grande beneficiário deste hediondo crime? Será que aqueles que morreram pela escrita não vão servir para calar muitos outros? Será que a propósito de um quase “estado de sítio” não se justificarão outros tipos de atentados?
Está em causa a liberdade. Está em causa a democracia. Está em causa o mundo livre. Três assassinos mais bem treinados do que aqueles que vemos nos filmes, provaram a fragilidade do sistema e a incapacidade de prevenir actos deste teor.
Hoje foi na redacção do Charlie Hebdo. Amanhã será noutra qualquer redacção durante uma reunião de edição, quando todos estão reunidos a planificar o próximo trabalho. A cometer o crime de pensar e de informar.
Ceder ao intuitivo pânico é dar-lhes uma vitória sem precedentes e imparável.
Estes radicais (recuso a palavra gente) têm na alucinação religiosa os grãos de uma selvageria perdida na longa noite dos tempos. Em pleno século XXI, este recuo milenar deixa-nos estonteadamente perplexos.
Hoje, a França, tem no seu seio milhões de árabes que, decerto e na sua imensa maioria, repudiam vivamente esta carnificina. A árvore não faz a floresta.
Também eu, temporariamente vivi em França. Os meus amigos eram uma irmandade de húngaros, tunisinos, sudaneses, toguenses, franceses, etíopes, zairotas, senegaleses, egípcios, sírios, libaneses, salvadorenhos, paraguaios… Da Europa à África e à América dávamo-nos as mãos e convivíamos numa jovialidade e interacção todos os dias renovadas. Este multiculturalismo abre-nos horizontes, congratula-nos pela diferença e aviva a união fraterna e a igualdade.
Deixarmos que três assassinos a soldo de inconfessáveis máquinas de guerra religiosa ou outra anulem tudo isso é provarmos que, no fundo, a intolerância está no inconsciente de todos nós e como os ratos de “A Peste“, de Albert Camus, à espreita do dia certo para vir semear o pânico numa cidade feliz.
 
Notas:
Este Edit foi escrito ontem. Entretanto, já ocorreram mais mortes em França.
A foto é da revista alemã “Berlins Zeitung” e publica 47 das últimas capas da Charlie Hebdo, recusando a intimação e o medo.
 

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