De concreto tudo ignoramos. O vírus que assola o mundo como uma praga bíblica é multiforme, camaleónico, inconstante, invisível, traiçoeiro e cruel.
Mais, e apesar de mil conjecturas várias e plausíveis, ignoramos com certeza e garantia a sua origem, a sua diacronia e o seu fim.
Todos nós, ao fim de um mês e meio, vivemos momentos de angústia e de saturação, não obstante a nossa cordura cidadã na aceitação das regras impostas, em prol de nós mesmos e dos nossos, mas também em favor de uma comunidade.
Todos nós ansiamos estar fisicamente com a família, com os amigos, passear despreocupadamente de automóvel, ir jantar fora com quem entendermos, tomar um banho de mar, ir trabalhar normalmente.
Todavia, normalmente é o advérbio de modo que saiu das nossas vidas de um momento para o outro.
Porém, esses simples desideratos não são expectáveis de alcançar no futuro próximo. Os actos mais triviais do nosso quotidiano, as nossas mais banais rotinas, os nossos gestos mais culturalmente implantados – como um apertar de mãos – são agora suspeitos e possíveis actos de risco.
De súbito interiorizámos uma nova cultura, a da incerteza, da aversão, do repúdio, do medo.
As informações dos “especialistas” – que são mais que areias num deserto – diversificam cenários, timings, levantamento de medidas, de confinamento, de emergência, dão-nos cem teorias de conspiração diárias, disparam em todas as direcções os seus cartuchos de pólvora seca. São pagos para palrar e têm que parecer originais…
Lidamos com uma realidade tão nova que, na sua incompreensão, nos deixa atordoados e hesitantes nos comportamentos, nas atitudes e até nos sentimentos.
Actos colectivos – e o colectivo é mais que um – são um risco, desde aulas a festas, desde a ida ao barbeiro até ao beber de uma cerveja num bar.
A nova realidade exige uma profunda adaptação às novas regras. A novos conceitos que apagam os secularmente instituídos. A uma nova forma de vida que nós ainda desconhecemos. E aqui está o absurdo: Como adaptar-nos ao desconhecido?
Estaremos no grau zero de uma nova vivência e, se temos a flexibilidade mental para aceitar o novo, menos temos a irreversível capacidade de mergulhar no abismo desconhecido.
Enquanto isso e perdido o conceito e a noção de normalidade, também e em consequência definha a economia, os problemas e as necessidades avolumam-se, as insolvências repetem-se, o desemprego cresce assustadoramente, a crise social, por arrasto, desenha-se no horizonte cada vez mais próximo.
E esta consequência – sem querer ser catastrofista, só realista – será a nova praga, uma neo-peste, o esboroar de uma civilização arrogante assente em nunca vistos conhecimentos científicos, no esplendor do homo sapiens, aquele que hoje anda como uma sombra de máscara no rosto, pânico nos olhos e medo nos pulmões.