Enquanto forem só as estátuas…
Há uma geração que foi criada na violência. Em casa, no bairro, na escola. De acordo com os nossos padrões culturais de classe média exigimos-lhes comportamentos idênticos aos nossos. Uma ilusão.
Todo o efeito tem uma causa. Partindo desta premissa, seria interessante percebermos o que está por trás desta onda de violência contra símbolos históricos e culturais pelo mundo fora.
Já aqui, mais do que uma vez, se condenaram os actos de vandalismo a que se tem vindo a assistir um pouco por toda a parte.
Mas o que e quem desencadeia a raiva, a fúria destruidora?
Cada vez mais se aprofundam as fissuras sociais a nível planetário. Dos continentes onde a crónica pobreza prolifera, dos estados onde a guerra infindavelmente impera, tem-se vindo a deslocar, essa pobreza em fuga, para os continentes ditos “ricos” – uma falácia, claro, pois nos continentes ditos “ricos”, se em geral a vida é melhor, as desigualdades são evidentes, havendo cada vez mais milhões de novos pobres.
Há uma geração que foi criada na violência. Em casa, no bairro, na escola. De acordo com os nossos padrões culturais de classe média exigimos-lhes comportamentos idênticos aos nossos. Uma ilusão.
A latente inquietação e óbvia consciencialização de um “não-futuro” não propicia e cria gente feliz, cordata e “alinhada”, antes uma imensa multidão muito zangada, inconformada, que encontra na rebeldia e no ataque aos símbolos do “establishment” uma forma de gritar a sua revolta e a sua proscrição.
Lembro-me de em França, em 1983, ter assistido à estreia do filme de Francis Ford Coppola, “Rumble Fish”, cuja acção decorre num ghetto novaiorquino. Causou-me uma profunda impressão. Ainda hoje, quase quatro décadas volvidas me vem à cabeça a mensagem premonitória ali transmitida. Convido o leitor a vê-lo…
Na sociedade actual onde mais que um apaziguamento e diluição das assimetrias se tem vindo a verificar o seu oposto, num crescendo de antagonismos onde a mínima gota é a gota que faz transbordar esta ira latente, provavelmente teremos muita sorte por a violência, por enquanto, se dirigir só a estátuas…
A utopia secular da sociedade mais justa, mais inclusiva, menos fracturante nunca passou de uma quimera, de uma fantasia de raros bem-intencionados que esbarraram na inamovível força dos muitos a quem essa sociedade causaria imensos prejuízos.
O crescendo da violência como rosto da exclusão não se combate com repressão, combate-se com integração e com humanidade.
Assim queiram os governantes de boa fé, não os trumps e bolsonaros por aí fora proliferantes…