É o contexto, pá!

Ao que se constata, os engasgados são quase tantos como as vítimas da pedofilia em Portugal.

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  • 16:09 | Segunda-feira, 17 de Outubro de 2022
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Não esperamos da parte dos actuais protagonistas mediáticos que sejam versados na ars bene dicendi, ou, para os menos dados a latinórios e grosso modo, na arte de falar bem.

Causticados que andamos pelos treinadores e prelectores da bola, as “tias” da socialite, os comentadores do tudo-e-nada, os repórteres que “enchem chouriços”, os políticos de circunstância e… etc. e tal, faltava-nos agora a alta clerezia lusitana, muito dada a homilias mas pouco versada em holofotes da CS, para nos brindar com novas laudes de breviário, não só às matinas como às noas e às vésperas…

Anda tudo atarantado a dar explicações sobre o inexplicável — quem muito se explica muito atormentada traz a consciência — e a tentar justificar o injustificável. Mais lhes valia o silêncio embrulhado na oração das nocturnas completas, com menos soberba, mais humildade, mais verdade, alguns cilícios e muito rogo de perdão.


Permito-me aqui citar Roland Barthes*:

“A fala é irreversível, é essa a sua fatalidade. O que foi dito não se pode emendar, salvo se for aumentado: corrigir é, aqui, estranhamente acrescentar. Ao falar nunca posso apagar, safar, anular; tudo o que posso fazer é dizer ‘anulo, apago, retifico’, em suma, falar uma vez mais. A esta singular anulação por acrescentamento chamarei ‘engasgamento’. O engasgamento é uma mensagem duas vezes falhada…”

Ao que se constata, os engasgados são quase tantos como as vítimas da pedofilia em Portugal.

Dizem os engasgados que é tudo uma questão de contexto (de costas largas). Contexto esse que é o conjunto de elementos de um texto que acompanha uma palavra, uma expressão, uma frase, e que transmite esclarecimento sobre o seu sentido.

Os contextos mais os engasgamentos, mor das vezes ensombrecem os enunciados e opacizam mais os factos. Provavelmente as circunstâncias assim o ditam e serão expressamente usados para dificultar mais ainda a compreensão do enunciado. A retórica tem seus truques…

Por outro lado, o apogeu da mentira teve em Trump o seu ponto alto. Granjeou muitos discípulos, e de Bolsonaro a Putin surgiram protagonistas que não têm mãos a medir e se tornaram os grandes pinóquios das modernas petas, os grandes mestres das ‘fakes’.

Petas que muito colhem, transmitidas nos breves tuíteres-bombas de arremesso ou nas manchetes de impacto visual – les ‘gros titres’ segundo os gauleses.

 

*O Rumor da Língua, edições 70, 1987.

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