Tento ser um cidadão cumpridor. Isto apesar do conhecimento de que em Portugal só cumprem os “pequenos”, tendo os “grandes” amplo campo aberto à fuga de todos os seus deveres contributivos e sociais. Nomeadamente no que concerne ao pagamento de impostos.
Como bem estarão lembrados, soubemos atónitos, há poucos dias, que o justiceiro do fisco, o qualquer-coisa-Núncio, sofreu de amnésias no concernente aos biliões de euros voadores para paraísos fiscais, nomeadamente de empresas às quais ele tinha estado – ou estaria ainda? – ligado. Imagine-se…
A comunicação social rapou das trompas e dos bombos para fazer o charivari costumeiro. Quinze dias depois calou-se. Ou porque a notícia ficou “podre” ou porque os “bosses” a mandaram calar.
A Assembleia da República fez mais uma daquelas rábulas chamadas “comissões de inquérito” muito mediáticas onde falam os senhores deputados, fazendo de contas que inquirem o “protagonista” de momento, o qual, faz também de contas que é muito cooperante, mas e no fundo, de pouco se lembrando ou nada, escudando-se em pretextos vários de “sigilos” esotéricos e, até, mentindo à fartazana com um ar de inocente candura desarmador de quaisquer reparos.
A filarmónica entoa o hino da Maria da Fonte e o processo encerra-se com muitos agradecimentos, cumprimentos e pungentes despedidas.
Passados uns dias sai um relatório “opaco”, muitas vezes assazmente mal redigido (será de propósito para desencorajar os leitores?), descortinam-se as omissões, entrevêem-se as falácias, enfileiram-se os silêncios. E agora vamos jantar a um restaurante gourmet, que a “coisa” dá muita sede e fome…
Sobre o tal Núncio, o terror do fisco, o tipo das penhoras aos pobres e da vista grossa aos biliões, nada mais se soube. Também nada mais se soube da corte de acólitos com responsabilidades no processo. De directores a sub-directores da Autoridade Tributária e outros mais no topo da hierarquia zelosa do “saque legal”.
Talvez para as calendas gregas venhamos a descortinar um décimo das irregularidades cometidas.
Hoje fui pagar o meu IMI e um IUC. Dinheirinho para a autarquia na sua quase totalidade. O meu contributo para os festivais da pinga, das pinturas das quintas dos amigos, das street art, street food, street music, bombos, arraiais, festas & bolos com que se enganam os tolos… A marca d’água deste executivo camarário viseense e seus báquicos beatos-seguidores, com a canhota batendo no peito e com a direita libando ao promissor futuro que nos garantirá muito de adjectivo mas nada de substantivo. Ademais acompanhado de buracos pela cidade fora para os milagrosos silos-auto e de eventuais vindouras privatizações de bens essenciais, como a água, para e de seguida, como as águas de um planalto de uma cidade vizinha, ascenderem às terceiras mais caras deste pobre Portugal, tão lastimavelmente caídos nas mãos desta rapaziada invocadora do mirífico e prestidigitado porvir para caucionar com um arremedo de nobreza os mais cínicos reais.
O fisco, essa instituição temerosa dos poderosos, prepotente e arrogante, sofre da autocracia dos imunes e dos impunes e, de ameaça em ameaça, com tribunais e penhoras, cobre-se de um pouco transparente véu na forma de actuar, recorrendo a artifícios difusos para sustentar argumentos da treta, deixando como alternativa às leituras enviesadas que faz das contestações, o remetimento para absurdos “recursos judiciais contra a decisão de aplicação de coima”, intimidando com cobranças coercivas, custas processuais, processos de execução fiscal e quejandos, fortalecidos com muita labieta e mais treta.
Pena é que tanta e tão profícua eficiência e eficácia não seja generalizada a todos os cidadãos deste “Portugal dos pequeninos”. Esta gente do fisco é certamente séria. Pena é que às vezes nos suscitem dúvidas, como a mulher de César…