O meu amigo Idalécio é muito culto em gatos. Quase me faz lembrar o Manuel António Pina e o Eugénio de Andrade, que eu tanto estimo pelos seus escritos.
O meu amigo Idalécio, um solteirão impenitente, vive com gatos e um pouco por eles. Há dias disse-me com o seu ponderadíssimo e sério ar que anda a estudar a “psicologia comportamental dos siameses” (!?) para melhor entender mais uma gata que lhe “bateu” à porta, rejeitada sabe-se lá por quem. E continuou…
– Sabes, é muito possessiva, tremendamente ciumenta e escandalosamente dada a amuos. E tem uma personalidade poderosa. Muito caráter…
E continuou por ali fora, tirando a fotografia da dita da carteira, e numa estranha peroração que me ia deixando cada vez mais alarmado, enquanto eu, moita, nem zus nem bus, pois sou cabal analfabeto em felídeos, que até evito por me fazerem espirrar demasiado.
– Tenho grandes conversas com ela. Chamei-lhe Aiyra, como uma amiga minha marroquina. Tem que haver uma correlação lógica entre o nome e a “pessoa” e Aiyra significa aquela que não tem dono, percebes? É culta, uma grande conversadora e entendemo-nos muito bem, salvo acerca das horas de sono. Fico até tarde a ver televisão, ela adormece ao meu colo e quando me levanto para me recolher e a acordo, fica indignadíssima e muito protestativa.
Continuei calado que nem um rato – pois que falamos de gatos – e a pensar se seriam efeitos da pandemia, se do confinamento, se de ambos. Sei lá eu!
No dia seguinte, andava na minha plácida marcha dos 5 quilómetros quase diários quando dei de caras com a minha amiga Virgininha, que logo me atacou com uma das suas conversas preferidas: as plantas…
Eu acenava que sim e ouvia sem saber o que dizer, até que ousei perguntar, a medo – Achas que um bonsai ficava bem em cima da minha secretária?
Fiquei a vê-la meditar, quase ansioso pela resposta, pois já tinha comprado a dita e dispendiosa árvore …
– Não. Decerto que não! O bonsai exige muito diálogo diário e em voz serena. Não pode ouvir gente colérica como tu. E aprecia música. Dá-se muito bem com jazz, mas light. Da clássica aprecia Liszt e Debussy. Tens que optar por flores. Talvez um vaso com amores-perfeitos, ou margaridas, que são ternas e tolerantes.
Afastei-me deprimido e ainda pensei em ir tomar uma biquita com o Compadre Zacarias, mas recuei cauteloso, pois decerto me viria com outra novíssima teoria conspirativa acerca do cargueiro encalhado no Panamá, ou da tomada do poder pelos illuminati, ou da iminente invasão da Europa pelos cossacos russos…
Antes falar com gatas e bonsais. Vou ter que me habituar rapidamente que isto está a mudar.