Há muitos anos fui estudante na Universidade de Coimbra. Tantos que mal recordo o que por lá penei e quanto de gratificante lá vivi. Embora o penar fosse incomparavelmente mais que o gozar, Coimbra deixa sempre em quem lá estudou um ligeiro resquício de saudade.
Hoje, cada vez que vou a Coimbra, é um dia de desusado sacrifício. Não pela cidade em si, que muita alteração tem sofrido nas últimas décadas, nem todas para melhor e em prol dos munícipes, sendo a maior a inevitável deslocalização do comércio e quejandos para as “catedrais do consumo”, como é de bom uso em toda a urbe que se preze, desertificando os locais de convívio de outrora.
A elevada temperatura, na cada vez menos Lusa Atenas, com os seus 37 graus à sombra, pela hora do meio dia, é outra variável à qual, neste inverno deslocado e intermitentemente prolongado, já quase nos desabituáramos… mas a penosidade vem de outro lado, não da cidade e suas mudanças, mas sim da via de acesso, o famigerado, terceiro-mundista e assassino IP3.
Numa relação elementar de intensidade de tráfego, estamos a nível superior a muitos autoestradas duplicadas, por aí pululantes e quase às moscas. Feitas apenas porque os autarcas desses territórios tiveram força para as impor, enquanto os autarcas de Mortágua, Santa Comba Dão, Tondela, Viseu, Nelas, Mangualde… nunca dela deram provas.
No distrito de Viseu, a que mais se lhe assemelhará, salvaguardadas as proporções, é a triste EN 229, no troço Viseu-Sátão. Estrada onde a qualificação é substituída por semáforos ao quilómetro – abençoadas rotundas – e pelo serpentear de trânsito pelo meio de localidades, com os riscos inevitáveis daí advenientes. Até houve, se a memória não me falha, um autarca voluntarioso, ali dos lados do Sátão que ameaçou demitir-se se não fossem feitas as ansiadas obras. O governo, do seu partido, deu-lhe uma gargalhada na cara… e ele meteu a “promessa” de demissão na “arca das incumpridas”…
O IP3 é usado por utentes heterogéneos em tudo: na faixa etária dos 18 aos 75, no meio de transporte, que vai do motociclo ao TIR, passando pelo veloz topo de gama ao esforçado “clássico” com 3 ou 4 décadas de fiéis serviços e, ainda não passado à merecida reforma, menos pelo afecto do dono que pela obscena carga fiscal que onera estupidamente os veículos novos, tornando-os um luxo de ricos.
As ratoeiras sucedem-se, no IP 3. Os sinais negligentes acumulam-se. A sinalética horizontal apagou-se. Os muros asfixiam. O estado do piso degrada-se a cada dia… aliás, a EP é conhecida pelo seu medíocre trabalho e nem sempre exemplar gestão dos dinheiros públicos.
Nos dias de hoje, durante o dia, com sol e tempo seco, fazer o IP3 é uma perigosa e aventureira penitência. À noite, com nevoeiro e chuva é uma roleta russa. Temos sempre a hipótese de acertar com a única bala no tambor vazio do revólver…
Para cá, valha-nos a “santa Penacova” e as sandes de leitão do Bar 21… na verdade, a única coisa menos má que naqueles 90 kms se encontra.
(Foto DR)