Aves da graça ou desgraça?

Estes filantropos surgem geralmente no contexto da desgraça, são humanitaristas da desdita e do desfortúnio, beneméritos de todos os tempos, usando  astutos artifícios para caucionarem de pseudo nobreza o real às vezes ascoso do agir.

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  • 22:48 | Segunda-feira, 04 de Maio de 2020
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Sempre houve muito boa gente caridosa a lucrar com o mal dos outros. Leia-se por mera e elucidativa sugestão “A Peste”, de Camus. Aliás, o mal dos outros é o seu bem. Bem-estar económico, naturalmente. E esse bem-estar económico é precioso para quem na cupidez assesta as suas munições, por ela fazendo pródiga vida.

Estes filantropos surgem geralmente no contexto da desgraça, são humanitaristas da desdita e do desfortúnio, beneméritos de todos os tempos, usando  astutos artifícios para caucionarem de pseudo nobreza o real às vezes ascoso do agir.

Assim, um modus operandi vulgar é chegarem a uma qualquer instituição de solidariedade social (por académica hipótese) premunidos de fotógrafos e microfones para fazerem uma doação de material aí escasso, assim sensibilizando e caindo no goto de quantos tomam do divulgado facto conhecimento.


Após, já nas boas graças do público e sem cameras à rectaguarda, antes com recatado pudor, concretizam-se negócios de largo proveito, provavelmente sem concurso público, talvez sem cumprimento das regras de transparência dos contratos com o Estado, a resguardo da calçadeira da urgência, da emergência, da necessidade.

Estes abnegados, para lá das exactas circunstâncias do seu agir, apreciam fazer passar por parvos os cidadãos ao constituírem-se e instituírem-se em primeiro plano como beneméritos, altruístas e etc. e tal.

Depois, poderá surgir um cidadão da polis transigente – não ao tráfego de influências, credo! – à bondade e hombridade destes antropófilos, destes altruístas, potenciando a lata  e merecida gratidão desta benemerência empresarial.

No fundo, provavelmente, água chilra do mesmo charco… Ou estaremos enganados?

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