Quando eu era miúdo a Páscoa era quase tão esperada como o Natal. Eu vivia no Sátão às espaldas da igreja Matriz e a preparação da Semana Santa era para mim um vizinho Mistério. Aquele Cristo que estava todo o ano deitado por baixo do altar, escondido, emergia num roxo dolorosíssimo e, em seu redor, falava-se num sussurro. Tudo era um drama aos olhos de uma criança de 8 anos que olhava deslumbrado e atemorizado e curioso para todos aqueles atavios…
Depois, rapazola, a Páscoa era uma correria de dia inteiro, atrás do Senhor Padre Albano e do Grilo sacristão com uma esvoaçante opa roxa e branca, campainha numa mão e cruz à tiracolo a entrar em todos os lares. Iam levar a boa nova. Cristo ressuscitara e ia de casa em casa dizer: “Eu estou aqui!” Atrás, a ganapada corria e esperava a fatia de bolo, a mão cheia de amêndoas e a Cruz para beijar. Beijávamos 600 ou 700 vezes os pés do Senhor…
Os dezassete anos e o grupo de amigos, sornentos, à espera que o Cónego Albano (tinha sido entretanto promovido) passasse para entrarmos de rompão e atacarmos nas casas dos amigalhaços o presunto, a chouriça, o salpicão, o queijo da Serra tudo enrolado com dois quartilhos de palheto do melhor que havia por terras do Dão. Ao fim do dia, era uma graça divina, se adregássemos com a nossa casa ou se alguma alma caridosa nos indicava o caminho pelo braço…
Hoje, a Páscoa é um dia igual aos outros. Desaparecidos os rituais e a alegria e mistério da infância e adolescência, deslocalizados para uma cidade onde tudo se perdeu, a Páscoa é um dia para descansar, escrever, ler um livro, tirar umas fotografias, ouvir música. Um domingo igual aos outros domingos do ano… Tenho pena de ter perdido as minhas Páscoas de outrora.