Por meados da década de 50, Luís de Oliveira Guimarães publicou “Aquilino Ribeiro – Através do seu ex-libris”.
Este livrinho de 70 páginas divide-se em quatro partes. A saber:
“Palavras de Aquilino Ribeiro”;
“O Homem e o ex-libris”;
“Aquilino”;
“Confidências”.
Nesta última parte, o autor entrevista o escritor o qual responde às questões, de forma original, distanciado, na 3ª pessoa do singular. Ou seja, Aquilino fala pelo escritor – “ele”.
Exemplo:
“– Há quantos anos conhece Aquilino Ribeiro?
— Há muitos anos. Somos patrícios. Nascemos ambos em plena Beira Alta, nessa pequena parte da planura castelhana, que entra por Portugal dentro. Tudo aquilo, tempestades de penedos suspensos de morros e encostas; plainos desolados em que cresce uma rabugem de mato; pinheiros vergados para nascente como hordas em marcha; solo sáfaro e condenado a dar fruto terra onde os medos andam à solta e as ruínas guerreiras e monásticas ensombram a cada passo os horizontes; brutalidade e melancolia, riqueza e desespero, perspectivas abstractas e um sentido concreto da vida – eis a Beira em que ele e eu nascemos. A serra tem sido para ele como a terra mater para Anteu. Vai lá revigorar a alma e o corpo. Por ali sopra sempre o vento da liberdade que Aquilino tanto ama. E como ele ali nasceu e ali cresceu, de lá trouxe a comparsaria rústica das suas novelas e romances.”
Mas o que me trouxe hoje a esta releitura foi um episódio que Aquilino descreve e em resposta à pergunta:
“– Qual a maior surpresa que terá tido Aquilino na sua vida?
— Não sei bem. Talvez a daquela tarde, em Paris, em que Leal da Câmara, já caricaturista afamado da ‘Assiette au beurre’, encontrando-o lhe disse:
— Venha daí comigo à Rua D’Assas…
— Fazer o quê?
— Depois verá.
— Vi o croquis – disse o homem da barba negra, suspendendo a escrita e fitando Leal da Câmara. – Não desgostei. O tema pode ser este: o Czar, metido no gabinardo de Hamlet, a filosofar com a caveira de um mujique…
— Foi assim que Leal da Câmara desenhou o célebre perfil de Nicolau II que, em Paris, se vendia litografado…
— Exactamente. – Sabe quem eram aqueles dois homens? Um era Trotsky, o outro Lénine!”