O “Courrier internacional” deste mês, que recomendo vivamente, entre outros traz dois ensaios que se complementam, interessantes e importantes.
De Eve Illouz, “Sem Verdade não há Democracia” e de Michelle Goldberg, “O Triunfo da Desinformação”.
Centremo-nos hoje no primeiro onde a autora faz uma análise do valor da Verdade nos nossos dias e da sua cedência à mentira na maioria dos discursos públicos, políticos, informativos, publicitários, etc.
A autora no seu incipit escreve “A mentira é hoje tão comum no espaço público porque deixou de ser punida e, mais preocupante ainda, porque parece dar bons resultados.”
Questiona-se de seguida acerca das causas deste efeito e apresenta o conceito reinante de bullshit (que se situa entre “a treta, a mentira e a parvoíce”) como nova forma de discurso.
E logo fundamenta com a caterva de mentiras lançadas por Benjamin Netanyahu contra o rival Benny Gantz, que surtiram o efeito desejado para a sua vitória eleitoral.
Quando o primeiro-ministro israelita afirmou que Gantz era apoiado na sua corrida eleitoral pela Autoridade Palestiniana, uma notícia que foi difundida 5.559 vezes, e que Gantz era vítima de instabilidade psicológica e que mantinha relações extraconjugais, outra notícia que foi divulgada 701 vezes, ele sabia que o que afirmava era uma refinada mentira, mas mesmo assim esta parvoíce proliferou e serviu para enfraquecer o seu opositor, minorando-o psicologicamente e minando-o no seu carácter, perante um vasto público acrítico e pouco criterioso.
Estas fake news e estes boatos foram transmitidos, escritos e difundidos durante semanas para um milhão de eleitores, surtindo o desejado efeito na hora do sufrágio. Netanyahu terá assim ganho não pela excelência das suas propostas mas pela competência das suas mentiras.
O aparecimento de plurais meios de comunicação de massas, sejam a radio, a televisão, a internet e a sua insaciabilidade para servir ao público ávido a notícia fresca e sensacionalista, levaram à necessidade de dizer qualquer coisa, num confuso ruído de incessantes parvoíces. As parvoíces que o público gosta de ouvir, raramente se questionando da verdade ou mentira daquilo que lhes é transmitido.
Entretanto o pós-modernismo trouxe novas ideias sobre a noção de verdade centrado no facto de poderem existir várias verdades sobre um mesmo assunto ou uma mesma realidade.
O luminoso ensaio de Eva Illouz fecha desta forma: “a tirania apostou sempre na nossa negligência, na nossa apatia ou na nossa estupidez, para esmagar a verdade. A verdade continua a ser uma arma necessária para combater os tiranos e todos quantos dizem palermices.”
Agora se revertermos esta narrativa para a informação de certos tabloides, o telelixo que nos é servido abundante e quotidianamente e para o discurso reiterado de certos políticos, inclusive em Viseu, percebemos porque usam a mentira e a parvoíce com tal desplante e total à vontade…