A Santa Ceia é um fresco de Leonardo da Vinci que está em Milão, na igreja de Santa Maria delle Grazie. Pintado por volta de 1495, foi uma encomenda do mecenas Ludovico Sforza, duque daquela cidade. Nela se retrata a Última Ceia de Jesus com os Apóstolos, antes de sua prisão e crucificação.
Tem sido, ao correr dos tempos, tema inspiratório de muitos pintores e objecto de muitos estudos, entre eles alguns esotéricos, para possível interpretação da cena na amplitude da sua possível codificação.
Tenho um peculiar gosto por esta temática, eu próprio possuindo alguns trabalhos de artistas portugueses e estrangeiros.
Deixo aqui exemplo de dois: de Filinto Viana e do brasileiro Jair Peny, esta “Última Ceia” também assaz “ousada“.
Ontem, qual não foi o meu encanto ao descobrir um mural enquadrado nesta temática, de cujo autor desconheço o nome, atrás de um edifício junto ao posto Galp da Rotunda Carlos Lopes, em Viseu, numa perspectiva desta temática.
Com toda a irreverência que qualquer tipo de arte deve ter, esta mostra-nos uma interpretação desse tema com um Cristo e talvez quatro “apóstolas” (uma seria Maria Madalena…), erguendo aquele ao alto um triângulo, na sua simbologia própria, mas aqui de um naco de queijo gruyère. As figurantes parece terem vindo do McDonald’s e trazem as adequadas vitualhas, que um original e atento gato atrevido desdenha.
Se uma “apóstola” pesquisa no seu PC, outra fala ao telemóvel, a seguinte cofia a trança enquanto dá uma batata frita ao tareco e a quarta aproveita, talvez entediada, para fazer uma selfie.
Tirando o Cristo mais consentaneamente vestido com sua toga cruzada em branco e azul celeste, as “apóstolas” vestem e calçam aos tempos de hoje.
Expressiva, colorida e muito irreverente, não desdenharia ter esta obra numa parede de minha casa.
E de repente ocorre-me uma história que o recentemente falecido Zé Penicheiro (Março de 2014), contou há décadas na sua “casa-museu” em Quiaios, na minha presença, na de um amigo, juiz na Figueira da Foz e já falecido também, Mário Roque, e na de outros dois convivas:
Um dia um presidente de uma junta de freguesia ali para os lados de Cantanhede ou Montemor (já não sei precisar) encomendou o restauro de uma “Última Ceia” muito “desbotada”, presente na igreja matriz local. Penicheiro, em tempos difíceis, acedeu à encomenda que lhe deu gozo executar por uma específica exigência do “regedor”: na recuperação, um dos rostos teria que ser o seu retrato. Penicheiro fez-lhe a vontade e pintou-o como Judas…
Penicheiro, exuberante artista, comunista convicto, nascido em Tábua, mas “filho” de Aveiro e da Figueira da Foz, um imparável contador de histórias (esta cena já tem algumas décadas), dotado de uma disposição formidável (nos dias “bons“), contava esta rábula, no seu acolhedor jardim, enquanto no forno se assavam uns chouriços, pretextos para “profanas libações” com branco, a Baco.
Esperamos que um dia, os nossos autarcas locais não se lembrem do mesmo…
De qualquer, forma felicito aqui o vereador da Cultura, Jorge Sobrado, homem dado ao ecumenismo religioso, pela ousadia da encomenda, que só é pena estar tão pouco destacada, quase escondida.
Paulo Neto
(Foto de ZP com DR)