A narrativa desvirtuada

Fui ao Convento de S. Francisco, minuciei-me ruínas afora e avelanais adentro, saí pelo Arcozelo e às espaldas de S. Torcato desci quase a Tabuaço e mergulhei no Mosteiro de S. Pedro das Águias, cisterciense, masculino, um eremitério íntegro, junto a um vale escarpado onde se remansa o Távora (“Bernardus valles amabat”).

  • 12:26 | Segunda-feira, 08 de Março de 2021
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“O Senhor dos exércitos proteja a entrada e a saída deste templo”.

Se eu fosse político partidário, daqueles que vivem da “coisa” e nada são fora dela, no seu dialecto exausto, começaria por vos escrever a narrativa de hoje explicando que esta nova palavra em moda pode ter diversos significados, mas, fundamentalmente, quer dizer isto: história + discurso = narração. Ou, segundo Genette, “acto de relatar enunciados”, ainda como modo de uma tríade (lírica, narrativa, drama) ou, citando Labov, “um método de recapitulação da experiência passada que consiste em fazer corresponder a uma sequência de eventos (supostamente) reais uma sequência idêntica de proposições verbais”.

Será por isso que “eles” começam assim: “A narrativa de hoje…”

A Via Sinuosa” é um maravilhoso romance do políptico semi-autobiográfico, publicado por Aquilino em 1918. Dedica-o assim: “À memória de meu pai, Joaquim Francisco Ribeiro”, que aparece na “narrativa” como o Padre Ambrózio e o autor, no seu alter-ego semi-ficcionado, como Libório Barradas…

…Barradas como o toante sino da Igreja do Espírito Santo, no Carregal (onde Aquilino viu vida) rodado ou roubado do convento de Caria ou Paço dos Bularios, hoje a Quinta do Ribeiro, ao cruzamento de S. Francisco, vindos de Soutosa e virando a oriente, levante ou leste.


Celidónia Violas a “amorinha” de Libório por ali perpassa sua rebelde índole… Estefânia Malafaia a sua sensualidade esfuziante, a fidalga de Santa Maria das Águias que reviravolteou a cabeça de Libório…

Bom, leiam a obra que só ganham com isso. Eu já a li meia dúzia de vezes e só dei azo ao dito latino: “bis placenta repetita”…

Fui a Alhais, à Igreja Matriz da Nª Sª da Corredoura, traço pesado e pouco inspirado do gaulês Granjou, onde Aquilino foi registado.

Fui ao Convento de S. Francisco, minuciei-me ruínas afora e avelanais adentro, saí pelo Arcozelo e às espaldas de S. Torcato desci quase a Tabuaço e mergulhei no Mosteiro de S. Pedro das Águias, cisterciense, masculino, um eremitério íntegro, junto a um vale escarpado onde se remansa o Távora (“Bernardus valles amabat”).

Relata a lenda que ali se refugiou a princesa moura Ardinga para desposar D. Tedão (erradamente apodam-no de D. Tedo), cavaleiro cristão que lhe roubara o afecto e o sentido. Aí seu pai, o bárbaro emir de Lamego a matou por suas mãos…

Voltei na sinuosidade afora até à albufeira do Vilar. Deixei Vila da Rua onde a fonte de S. Francisco de outrora hoje goteja sua linfa. Ainda pensei ir ao Freixinho, às cavacas da Nª Sª do Carmo, porém o tempo a fugir mas roubou. E o ímpeto também me tolheu e ordenou ao largo…

Aquilino é, ainda hoje, o mor guia das Beiras.

Mas há que lê-lo… e depois das suas 72 “narrativas”, entre romances, contos, novelas, literatura infantil, história e literatura, biografia, hagiografia, tradução, teatro, ensaio, diário, monografia… vestir enfim a capa de pelica, arminho sobr’ombros e sem psitacismos ocos ser, então, de confiduciado capelo no bestunto, aquiliniano de impávida e genuína gema…

 

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