A municipalização da Cultura

Na área cultural semeou e retirou apoios e subsídios a torto e a esmo. Os critérios observados e seguidos ainda hoje, na maioria dos casos, são um segredo bem guardado.

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  • 21:13 | Terça-feira, 18 de Fevereiro de 2020
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O corifeu da Cultura viseense, Jorge Sobrado, na sua cruzada municipalista do pelouro que detém, se para os dóceis é um mãos-rotas, para os que não afinam pelo mesmo diapasão, parece ter punhos cerrados.

Diz-se que a fibra moral de um indivíduo se vê não só na adversidade como também quando detém a oportunidade de exercer poder.

Aliás, o poder, nas mãos de determinados fabianos, assazmente resulta num exercício de autocracia oriunda dos labirínticos semideiros freudianos do Eu mais profundo. Mas não vamos pela psicanálise…


Sobrado trazido para Viseu no colinho de António Almeida Henriques, que lhe terá descoberto as fantásticas qualidades entre 2011 e 2013 (tempos de secretaria de Estado), é ou era um moço com ideias.

Vinha revolucionar a cidade (já nem falamos no concelho em geral). Pôr a urbe no mapa-múndi da atracção. Erguer a píncaros jamais vistos a “linda cidade museu”. Modernizar a comunicação. Transformar o pasmo em evolução… “Forte, cosmopolita e ousado”.

E porém, há meia dúzia de anos ao lado do “flop-edil”, nada de substantivo se viu para além de estrepitosas entradas de leão e ronceiras saídas de sendeiro, na maioria do festivaleiro festim, conteúdo de sua acção.

Percebeu-se também que o vereador do turismo, da cultura e de não-sei-mais-o-quê tinha mau feitio. Que o digam Joaquim Seixas, Nuno Nascimento e o comandante da PM, o comissário Diogo Tomé Soares Duarte, para não ir mais longe. Tal é ou era a sua rasputiniana influência no decisor-mor…

Na área cultural semeou e retirou apoios e subsídios a torto e a esmo. Os critérios observados e seguidos ainda hoje, na maioria dos casos, são um segredo bem guardado. Lembramos somente os Jardins Efémeros e o “sucedâneo” Mescla.

Agora, com a nova polémica da saída da directora do Teatro Viriato, Sobrado, todo poderoso, está a pensar se vai ou não renovar o financiamento institucional ao CAEV – Centro de Artes do Espectáculo de Viseu, porque a directora Paula Garcia se demitiu, deixou escolhida a sucessora, Patrícia Portela e, como se não bastasse, manteve-se como presidente do CAEV, a associação independente gestora do Teatro Viriato. É obra!

Sobrado ficou muito “chateado”. Daí a “ameaça” de, a partir de 2021, não haver renovação do contrato existente com o município.

Provavelmente, com o Viseu Arena e a Viseu Marca enquanto promotores de espectáculos, o Teatro Viriato, desalinhado, é um estorvo. Estorvo tal, como parece ser Sobrado na política local, apesar da esperança de em 2021 poder ser ele o afastado de cena. Ele e o “boss”.

Numa entrevista ao JN, Sobrado, doído e sofrido, é taxativo:

”Recomenda a ética das relações institucionais e os princípios da boa cooperação, transparência e confiança que exista um diálogo, uma auscultação, um entendimento.”

Palavras curiosas, ética, boa cooperação, transparência, confiança, diálogo, auscultação, entendimento… e mais acusa o processo que

“Representa um desrespeito institucional e uma quebra dos mais elementares princípios éticos da confiança e parceria.”

Para mais adiante reinvocar a necessidade de “construir relações de confiança e transparência”.

Blá, blá, blá.

Não conhecemos Paula Garcia nem Patrícia Portela. É-nos porém lícito pensar que a decisão tomada pela directora foi ponderada assim como foram pesadas todas as consequências do seu acto. Se foi efeito, ignoram-se as causas, conjecturando-se que terão sido de peso e nada tendo a ver com decisões de ânimo leve.

De certa maneira, esta controvérsia faz-nos lembrar o sucedido no Teatro Municipal do Porto, envolvendo o seu director, Tiago Guedes e Regina Guimarães, Tiago Correia e Sara Barros Leitão despoletado pelo texto crítico “Turismo” e as palavras de Rui Moreira, presidente da autarquia, sobre escolhas de programação que considerou estarem para lá dos “limites da nossa tolerância”.

Há um texto muito interessante de Pedro Levi Bismark sobre este assunto, in “RevistaPunkto”,do qual citamos, com a devida vénia este extracto:

“… aquilo que podemos observar em muitas instituições é não apenas a sua dificuldade estrutural em aceitar e mobilizar um discurso crítico-de-si, mas sobretudo como as tácticas de poder e de gestão (ainda para mais num mundo onde a precariedade laboral é cada vez mais a regra) procuram a todo o custo neutralizar os vários exercícios de crítica através dos pequenos medos, das pequenas chantagens, dos pequenos silêncios. Em muitos casos, as lógicas de luta interna dentro das instituições muito rapidamente fizeram esquecer a sua dimensão pública. Em muitos casos, essas instituições deixaram de assegurar mecanismos importantes de participação e igualdade democrática, impondo hierarquias rígidas, protocolos burocráticos e direcções centralizadas, em nome da eficiência e da gestão financeira …”

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