PARÁBOLA DAS FOLHAS CAÍDAS NO OUTONO

  Sempre tive, em minha vida, uma predilecção particular pelo Outono. E ela se mantém, agora, que o Outono se tornou a estação do meu viver. Lembro-me do milho a secar nas eiras da Quinta do Valbom da minha criação, dos dias da vindima, dos figos doces de uma figueira no canto da vinha, das […]

  • 12:29 | Terça-feira, 02 de Dezembro de 2014
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Sempre tive, em minha vida, uma predilecção particular pelo Outono. E ela se mantém, agora, que o Outono se tornou a estação do meu viver.

Lembro-me do milho a secar nas eiras da Quinta do Valbom da minha criação, dos dias da vindima, dos figos doces de uma figueira no canto da vinha, das cestas de pêssegos que minha mãe levava, finda a tarde, e dos cestos de maçãs bravo de Esmolfe que perfumavam, sobre a palha, a loja dita da dispensa e lá ficavam pelo Inverno fora. Lembro-me das castanhas, da apanha, das rasas cheias. Mais me recordo dos soutos ora perdidos, da folhagem com o tom do ouro velho que ia recobrindo o chão, jeito de véu ou mortalha que a neve não tardaria a cobrir.


Recordo-me, desse tempo, de um dizer, desses sábios dizeres do povo que devo ter ouvido a minha mãe, mas dizia-se na aldeia, que eu sei, que “os velhos morrem ao cair das folhas”, morrem no Outono, que é o que o dito quer dizer, saber de experiência feito porque muitas vezes, nessa quadra, se ouvia o dobre dos sinos tocando a finados.

Li mais tarde, num livro que não sei, uma parábola, que assim designo a pequena história que falava do Outono e das folhas que caiam e dos velhos que morriam como se tabela também fossem de colheita.

Tratava-se da história comovente de um menino que, tal e qual como eu, ouviu talvez, um dia, a sua mãe, o mesmo dito que eu ouvi de minha mãe – que os velhos morrem ao cair das folhas.

E foi que um ia, Outono chegado, o menino reparou pela vez primeira nas folhas a cair de uma figueira do quintal.

O avô do menino, contador de histórias, decerto, por quem o menino sentia uma infinita ternura, adoecera e a mãe lhe dizia quando ele se sentava na borda do leito apenas olhando, que deixasse o avô descansar.

Lembrou-se o menino do dizer antigo ao ver da janela outra folha a cair.

Foi ao quintal. Subiu à figueira e, uma a uma, foi prendendo aos ramos, com um fio que levou, as últimas folhas que o vento não arrastara ainda.

Foi achá-lo em tal tarefa, a sua mãe e a razão dela perguntou.

E o menino lhe respondeu que tal fazia para que as folhas não caíssem. Para eternizar o Outono e a presença do avô junto de si, queria o menino dizer.

Talvez se tenha soltado uma lágrima dos olhos comovidos daquela mãe. E um beijo, não sei. Talvez aquela mãe tenha sentado o menino nos joelhos. Talvez lhe tenha dito, nessa hora, que o avô ficaria sempre com ele, nas histórias.

 

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