O MONGE E O PASSARINHO
Fábula que se conta de um velho convento de Viseu Como todas as fábulas a história do Monge e do Passarinho não tem inventor conhecido. O Padre Manuel Bernardes conhecia-a já no século XVII e dela fez aproveitamento no seu livro “Pão partido em pequeninos” com um fim apologético, que o mesmo é dizer, […]
Fábula que se conta de um velho convento de Viseu
Como todas as fábulas a história do Monge e do Passarinho não tem inventor conhecido.
O Padre Manuel Bernardes conhecia-a já no século XVII e dela fez aproveitamento no seu livro “Pão partido em pequeninos” com um fim apologético, que o mesmo é dizer, um fim educativo, ainda que visando padrões de uma catequese cristã. Inteligível pelos simples. Como simples era o monge com mandato de porteiro e hortelão no seu mosteiro em província de interior.
Reza a história que o monge, em sua candura, dado a poucas letras, humilde de entendimento, não compreendera, certa vez, a lição de um pregador que viera à sua igreja e citara num sermão um estranho salmo que rezava assim:
– “ Mil anos diante de Vós são como o dia de ontem que já passou” (Salmo 90, 4-5).
Como iria ele, habituado a abrir e a fechar as portas do mosteiro, a cuidar do arranjo das hortas, ficar diante de Deus, expectante, por um tempo sem fim?!…
O confessor lá o tranquilizava e ia-lhe dizendo que Deus um dia o iria iluminar. E foi assim:
O monge estava um dia no jardim quando um passarinho entra de cantar e tão harmonioso era o canto que logo se esqueceu do que iria fazer, dirigindo-se para o bosquezinho de onde vinha o canto do passarinho.
Quando ali chegou viu que o canto vinha de mais longe e para ali correu, abriu sem dar conta a porta da cerca do mosteiro, que o passarinho, sem se revelar, já cantava no arvoredo de um bosque vizinho. E assim continuou, sem dar conta dos passos, sem dar conta do tempo que passava, seguindo o passarinho.
Até que o passarinho voltou a pousar no arvoredo da cerca do mosteiro e ele viu então a cor das penas da avezita que logo deixou de cantar e desapareceu.
O monge reparou que estava à porta da cerca do mosteiro que encontrou cerrada, tocou a sineta como se visitante fora e logo um velho monge lha abriu, intentando saber quem era.
Estranhou o monge a pergunta daquele irmão que não conhecia e disse-lhe que era porteiro e hortelão desse mosteiro, mal acabara de sair e fechara-se a porta sobre si. E disse ao monge que se dizia agora o hortelão o nome do Padre Superior, o nome dos monges que eram ali seus companheiros, mas nem um nem outros aquele os conhecia e disse que ia chamar o Superior.
Quando veio o Superior contou-lhe o monge a mesma história. O Padre Superior lá se lembrou e foi consultar os velhos Livros de Registo e, com espanto, ali achou todos os nomes dos monges nomeados, o nome de quem era ao tempo o Superior e a pequena anotação do desaparecimento de um monge que saíra e não voltou.
Mas haviam passado já trezentos anos!…
O monge contou então a sua história e só então compreendeu, como lhe afirmara o confessor, a lição do Salmo que ouvira.
O Superior conduziu o bom do velho monge à cela que deixara. E ele deitou-se no leito, cobriu-se com o burel da manta que sempre ali ficara e mandou chamar o confessor.
Morria pouco depois. E alguém contou que, nessa hora, se ouviu, ao longe, o cantar de um passarinho.
NOTA:
O livro “O Monge e o Passarinho” será apresentado pelo Sr. Dr. Agostinho Ribeiro, Director do Museu Nacional Grão Vasco, no dia 10 de Dezembro, pelas 15 horas, no Hotel Grão Vasco, no âmbito do Almoço de Natal do Grupo de Amigos do Museu de Grão Vasco.