O “CRUZEIRO VERMELHO” – UMA CRUZ NOS QUATRO CAMINHOS
Chamam-lhe “Cruzeiro vermelho” a esta cruz de encruzilhada, ali fincada, lá onde as Terras do Demo têm a primeira linha de fronteira para quem sobe, vindo de Ocidente, para as planuras da Nave e da Lapa. Já ninguém sabe quem ali a plantou. Talvez a Irmandade das Almas que sedeava na Igreja do Castelo, nesse […]
Chamam-lhe “Cruzeiro vermelho” a esta cruz de encruzilhada, ali fincada, lá onde as Terras do Demo têm a primeira linha de fronteira para quem sobe, vindo de Ocidente, para as planuras da Nave e da Lapa.
Já ninguém sabe quem ali a plantou. Talvez a Irmandade das Almas que sedeava na Igreja do Castelo, nesse território de legenda que é Ferreira de Aves, onde pode ver-se ainda, numa capela lateral, a figuração de umas “Alminhas” enobrecendo a talha do retábulo.
Ali, onde pousa, viam-na, a cruz, de longe, os caminhantes. Lavradores da arada, mateiros buscando lenhas de inverno, pastores, pobres de pedir, caçadores, almocreves, recoveiros, volframistas, romeiros da Lapa e os feirantes que desciam à Feira de Lamas, nomeada. Passavam, tiravam o chapéu e faziam silêncio pelo curto tempo de um Padre-Nosso rezado na pressa da jornada. Em tempos houve ali um cofrezinho. Desapareceu porque por ali eram avaras as moedas. Mediam-se antes rasas de pão para pagar votos. E também se davam voltas de joelhos nas capelas.
Aquilino Ribeiro cuja vida foi peregrinação, como a nossa é, nem sempre tão maus os caminhos, conheceu esta cruzinha. E talvez seja a esta que ele lembra quando fala das “cruzes de homem morto” que pontuavam caminhos de suas andanças. António Malhadas, o sagaz almocreve Malhadinhas passava sempre ali quando descia à Feira de Lamas. Passou ali no dia em que deixou Brízida em cuidados, que ela bem sabia que ele ia enfrentar o Tenente da Cruz.
Frei Joaquim Santa Rosa de Viterbo transitava também por esse caminho. E os outros fradinhos do Convento da Fraga em sua procura de esmolas. Era ali encruzilhada, mas em seu tempo a cruz não havia ainda sido implantada.
Um dia, já nem se sabe quando, alguém pintou de vermelho vivo, a antiga pedra lavrada. E sempre que o sol queima o brilho da pintura alguém aparece, não sei se por devoção, não sei se por acto solidário, já que o cruzeiro é sempre marco de viagem, continua guia de romeiro, siga ele a pé, como os primeiros, ou passe agora com a pressa de seus cavalos a motor, e esse humílimo cristão acende de novo, como se de luzeiro se tratasse, o vermelhão que logo descobre ao longe quem quer que ali passe, nessa cruz de quatro caminhos. Uma cruz branca florindo agora como esperança.