“NO TEMPO DA MARIA CASTANHA”!…
“NO TEMPO DA MARIA CASTANHA”!… A propósito do IV Capítulo da Confraria da Castanha Soutos da Lapa realizado na Vila de Penedono em 2014/11/08. Homenagem à “Castanha dos Soutos da Lapa”. No nosso linguajar que cada vez mais se desprende das origens, dos clássicos e do povo, atitude contra a qual Aquilino Ribeiro já se […]
“NO TEMPO DA MARIA CASTANHA”!…
A propósito do IV Capítulo da Confraria da Castanha Soutos da Lapa realizado na Vila de Penedono em 2014/11/08. Homenagem à “Castanha dos Soutos da Lapa”.
No nosso linguajar que cada vez mais se desprende das origens, dos clássicos e do povo, atitude contra a qual Aquilino Ribeiro já se insurgia no Prefácio das “Terras do Demo”, cem anos quase passados, vai surgindo ainda, no geral assumindo tónica depreciativa, a coloquial expressão “No tempo da Maria Castanha…” que o Mestre citado múltiplas vezes emprega para designar um tempo não situado, um tempo sem tempo rigorosamente medido e datado, seja ele o “tempo dos afonsinos”, ou sejam os “nebulosos tempos do rei Vamba”.
“Maria Castanha” não é mais que a poética antropomorfização de um fruto singular que o homem recolhe, porventura desde tempos neolíticos, senão anteriores ainda, alimento generoso descido dessa pródiga árvore, o castanheiro, que por mil anos é capaz de suster o alento para alimentar estes filhos dos homens que tantas vezes não souberam merecer a amorosa e maternal permanência junto deles da árvore acolhedora como se fosse extremosa mãe debruçada sobre berço.
O Tempo da Maria Castanha é um tempo mítico, um tempo de lenda, sem deixar e ser, jamais, um tempo concreto, um tempo histórico, o tempo que sustém o nosso tempo que nesse outro tempo, fundador, encontra as raízes de onde sobe a seiva de que hoje ainda o nosso se alimenta.
O Tempo da Maria Castanha é o antiquíssimo tempo desse levantar do homem até à posição erecta que fez dele Rei da criação (por mais que alguns a não dignifiquem hoje, essa posição de cerviz bem levantada!), é o tempo da invenção do fogo de onde reporta também nossa fala e a nossa tão traída sociabilidade, é o tempo da construção da roda, do arado, do moinho, é o tempo das enigmáticas pirâmides, dos Vedas, da Bíblia, do Corão, de Platão, de Cícero, de S. Tomás, de Dante ou Camões, é tempo da descoberta do redondo da Terra, da ida à Índia ou ao Brasil que vencem talvez, na glória e na aventura, a triunfante descida de Neil Armstrong no chão longínquo da Lua, é o tempo de Copérnico e Galileu, do vapor que trouxe a nossa modernidade também, do telefone, da rádio que já vem de tetravós, da televisão, do primeiro computador.
Tempo da Maria Castanha talvez seja, dizemos nós (insensatamente o dizemos!) o tempo de nossos pais, de nossos avós.
Porque no nosso tempo é Rei o telemóvel que a cada dia envelhece, o IPad, o MacBook, o IPhone, o Facebook, o Twitter…, tantas coisas que ontem eram e hoje, vinte e quatro horas passadas, quase não têm préstimo, parece.
Infelizmente quase esquecemos o ouro da palavra dita de viva voz, o aperto de mão de um amigo, dos fiéis, que os há ainda, o abraço fraterno, esses gestos tão simples que são os únicos que podem modelar o Mundo (livre, igual e fraterno – lema já impresso no século XVIII), que podem fazer-nos sentir irmãos, que é isso que nós somos, queiramos ou não, mesmo desavindos.
Tempo da Maria Castanha!…
O nosso. Este em que tão intensamente estamos celebrando este fruto, a castanha. Tempo em que uma Confraria, a da Castanha Soutos da Lapa, reinventando ideais antigos, procura constituir-se como estímulo dessa central tónica da amizade fecunda, tanto quanto outras nobres Confrarias que celebram os mil frutos da terra, frutos que vieram de longe, como a castanha, num regresso simbólico à Natureza, deusa ao jeito antigo, Terra-Mãe.
Viva este tempo novo de Maria Castanha!…