MESTRE TEOTÓNIO DE ALBUQUERQUE – A IMPOSSÍVEL LEVEZA DO FERRO

    Mestre Albuquerque, que esse título arregimenta por direito e assim o designámos desde o seu assumir de funções docentes na antiga Escola Comercial e Industrial Emídio Navarro cumpre agora cem anos de memória que seus filhos resgataram e a nós convidaram para partilharmos com eles a efeméride abrindo as portas de sua casa, […]

  • 13:08 | Terça-feira, 26 de Agosto de 2014
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Mestre Albuquerque, que esse título arregimenta por direito e assim o designámos desde o seu assumir de funções docentes na antiga Escola Comercial e Industrial Emídio Navarro cumpre agora cem anos de memória que seus filhos resgataram e a nós convidaram para partilharmos com eles a efeméride abrindo as portas de sua casa, à Rua Direita, Número 86.


Mestre Albuquerque já não mora lá, que transitórias são estas permanências nestes alugueres de tempo e de espaço que depois ficam por herança, nem sempre cumprida a vontade dos transitórios moradores.

Tal não acontece nessa morada antiga da Rua Direita que um dia destes visitei, jeito de chapéu tirado como os antigos visitantes da casa de meu pai que se convidavam a sentar e a quem se abria, se tal o merecessem, a alma e a ucha.

Descoberta ficou a alma antiga da casa de que uma arqueologia sumária faz perceber a idade e os pergaminhos dela dobrados sobre o chanfro das ombreiras de portas e janelas, o tabique das divisórias antigas, o intimismo de discretos pátios abertos agora à nossa usufruição.

Abertas, como velhas arcas, as memórias dos antigos moradores. De Mestre Albuquerque, retratos, jeito de retratos de estado, como se fosse um desses velhos oficiais mecânicos que tiveram assento no Senado Municipal. Um ar sério de homem-bom, empenhado nas causas da cidade. Junto dele retratos da mulher que foi sua mulher, Olga de Albuquerque, artista que lavrou suaves páginas de versos, delicadas filigranas de contas e de escama de peixe e compôs uma especiosa galeria de óleos, gouache ou aguarelas onde a natureza se celebra, a cidade e talvez outros amores.

De Mestre Albuquerque estão os ferros. Alguns também são filigrana, quase nos apetece dizer. De impossível leveza. Aprendeu com Mestre Malho. Depois seguiu o seu caminho. O metal dobrava-se no cadinho das suas mãos, mas descia suor do rosto ao bater do martelo, como da fronte dos cavadores, para que pudesse nascer aquela flor que mantém o viço, na vitrina, para que pudessem crescer, ligeiras, as flores dos jarros como aqueles que a mulher cultivava no jardim, para ser real a cabeça da serpente, do lobo ou do dragão, para que seguissem rumo perfeito as guias do metal que transfigurava em obra prima.

Mestre Albuquerque já não mora na sua casa da Rua Direita. A casa é de seus herdeiros naturais. Tiremos o chapéu e entremos.

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