Concerto para violino e orquestra nº 1 em ré maior (paganini )
podia falar-te horas a fio, corridas sobre afonia, sobre silêncio sobre falta de sons o som é tão importante quanto o silêncio é tão importante quanto o espaço e joga com o tempo ficar sem palavras para te dizer é um sobressalto convicto a sonoridade e a harmonia. síntonas compostas com um jeito de dizer […]
podia falar-te horas a fio, corridas
sobre afonia, sobre silêncio
sobre falta de sons
o som é tão importante quanto o silêncio é tão importante quanto o espaço e joga com o tempo
ficar sem palavras para te dizer
é um sobressalto convicto
a sonoridade e a harmonia. síntonas compostas com um jeito de dizer meigo um gesto manso de fazer
ficar contigo em silêncio
muito atento a ti e ao teu respirar
o sussurro com que quebro o silêncio é um começo cadente de uma longa melopeia. uma recitação antiga. talvez uma prece ou encantamento. um exorcismo que ao de leve quebra a treva o medo e o som do medo
murmurar com o vento apelo
sentir as palavras uma por uma na pele dos lábios
como um vinho poderoso e grosso onde na espessura escura se decantam furtivos os sons. confundo as palavras se muito te vejo na ansiedade com que te olho e na ânsia de te gravar. para o meu sempre.
sarilheiro salpica o vento num roçagar asedado.
e mente com o hálito quente
o teu hálito. o meu hábito. de te ouvir junto aos lábios para que as palavras não se percam na réstia de espaço que nos aparta
hoje não falo, dizias tu
e eu retorquia, respira só para te ouvir
amuavas em trejeitos cujos nós eu desfazia com uma loa pequenina do meu berço ora perdido
e rias de brusca alegria
ao mimar a toada com ecos assim do rir
falo e sou para ti um contrabaixo soturno soltando num canto tons de muita gravidade. no centro claro uma guitarra, tu, respondes-me jovial para e depois, como tão bem sabes, chorares de seguida muita lágrima estuada em regato das doze cordas tangidas
tenho que pôr aqui uma concertina-trapézio-e-carrossel de uma tristeza pobre
tem que haver
e se um dia o som se tolher na garganta sem mesmo almejar a boca? como uma espinha que fere? falar-te-ei com os olhos. e tu descerás as pálpebras para não me ouvires
o riacho tem um som de inverno que gostava de ouvir contigo
cheio. intenso. ancho. porque não ouvimos o riacho?
como hás-de ouvir as palavras que não digo? como te hei-de fazer de guia nos silêncios?
na madrugada amplio-te. dormida estás.
no teu natural modo estremeces por vezes num receio de sonho mais intenso
e aquietas-te depois ao meu olhar. ao meu olhar sem fadiga de ver-te
e vejo-te muito para te lembrar depois
a falta de sons e o excesso de imagem. estás bem, assim. é uma discussão do meu olhar com o teu corpo. principalmente com o teu rosto. até de olhos meigos cerrados atrevido. no queixo e no nariz e nos lábios a harmonia. no cabelo tão corvo a ousadia
e o silêncio dá-me tempo para te ver
o tempo rendido. anuente e um hiato cúmplice
a madrugada tem os sons mais limpos. mesmo se a voz é insegura. seguro de te ver ir
e voltarei a um silêncio constrangido. da antecipação e do depois
perdem-se sussurro e murmúrio
as imagens e o riso acalentar-me-ão este inverno.
na primavera estarei mais triste com a natureza que renova aviva exclama
os sons que não chegam aos lábios
e se tornam suspiros que a penumbra escoa
é um som maligno o do suspiro. benigno seria re-ouvir-te até ceder à surdez que o cansaço arrasta
poderia falar-te de afonia. mas como falar-te de quando não temos palavras para dizer? ou temos tanta palavra para dizer que não alcançamos a selecção das palavras que transportam o sentir naquele exacto momento e espaço?
decorre um tempo longo para a espera
e quando em tropel as profiro só para mim eu falo
já não estás. e na tua ausência este diálogo de acronia é a voz do sofrimento
o discurso da afonia. para a tua memória
é inverno. não tenho o teu calor. uma tristeza me toma e agonia. cerro-me todo. sem ti.