Chegar à Primavera

Em Janeiro de 1944, Primo Levi estava em Auschwitz, um entre milhões, perante o olhar glacial dos guardas de botas afastadas.

  • 20:43 | Terça-feira, 07 de Abril de 2020
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Em Janeiro de 1944, Primo Levi estava em Auschwitz, um entre milhões, perante o olhar glacial dos guardas de botas afastadas.

Enquanto não o aproveitaram como químico, andou a levar coisas do caminho-de-ferro para o armazém. Ele fala de «uma centena de metros de solo em degelo» e das «nuvens adversas» que se atropelavam para os «separar do sol».

Está num limbo, rodeado de arame farpado, onde se luta para retardar a morte. As noites são longas, o vento assobia, a neve bate no vidro da camarata. Vem a manhã. O guarda ordena que saiam. «Estamos no exterior», lembra Primo Levi, «e cada um retoma o seu trabalho». Um companheiro «encolhe a cabeça entre os ombros, enfia o boné até às orelhas e levanta a cara para o céu baixo e cinzento em que redemoinha a neve inexorável». Pensa: «Se pudéssemos chorar! Se pudéssemos enfrentar o vento como fazíamos outrora, de igual para igual, não como aqui, como vermes, sem alma!»


A finalidade da vida tornou-se apenas uma: “chegar à Primavera”.

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