Cavalhadas de Vildemoinhos – Para além das gerações
Quando, num tempo antigo, o solstício de verão se anunciava, quando as águas do Pavia enfraqueciam de caudal, quando os frutos medravam ainda nas margens da ribeira, quando o sol crestava a terra e a esperança dos homens se turvava, quando as rodas dos moinhos deixavam de andar e o pão tardava sobre a mesa, […]
Quando, num tempo antigo, o solstício de verão se anunciava, quando as águas do Pavia enfraqueciam de caudal, quando os frutos medravam ainda nas margens da ribeira, quando o sol crestava a terra e a esperança dos homens se turvava, quando as rodas dos moinhos deixavam de andar e o pão tardava sobre a mesa, acendiam-se os humores entre os moleiros de Vildemoinhos e os camponeses que então ainda habitavam a cidade. Aqueles requerendo as águas livres que estes represavam, cada um se achando senhor de as usar em liberdade. E um dia houve em que os moleiros, mais afoitos, enxada em punho, subiram a ribeira, romperam os açudes que regavam milharais e a levada por eles conduzida fez girar, outra vez, os rodízios cujas penas começaram de novo a voltear.
Conta, então, a nossa história, a ida de uns e outros a tribunal de ocasião e, talvez por a sentença ser incerta, foi levada a causa ao tribunal do rei. Uns e outros quiseram ser dos ganhadores, defensor cada um nomeando para juízo, mas desses nomes a história não falou. Contaram os moleiros através de seus avós que eles se lembraram de fazer a S. João Baptista uma promessa que rezava assim, letra direita: – Se o tribunal do rei conceder as águas de verão requeridas pelos moleiros, estes cumprirão a anual romaria de votos à Capela do Santo situada nos termos da Carreira. Enquanto o mundo for mundo a cumprirão.
Ninguém sabe se a sentença veio escrita num papel ou a trouxe, correndo, um mensageiro. Mas nessa noite de solstício abençoada já houve festa rija nessa pátria de moleiros. Talvez, nessa noite, tivessem já feito arder molhos de rosmaninho num pinheiro. Que era a noite do patrono, S. João. E sobre a madrugada, ei-los que partem, carroças, burricos, ajaezam três cavalos, nomeiam mordomos e alferes da bandeira, acordam a cidade que se une à sua festa e lá vão, de longada, a S. João com capela na Carreira, dão três voltas, há quem reze uma oração, sentam-se na erva, partilham vinho e pão e retorna em festa, o sol já alto, a cavalhada.
Trezentos e sessenta e cinco anos correram e os moleiros de Vildemoinhos não esmorecem. Cheira sempre a rosmaninho o chão da sua terra no solstício de verão. E na fresca madrugada do dia de S. João que é sempre alvoroçada, lá vai, cidade fora, a festa dos moleiros, com mordomos e bandeira, lá vai a Cavalhada.