As minhas Cavalhadas de Vildemoinhos 2017
Não, eu não sou de Vildemoinhos, esse povinho de moleiros que se fez cidade mas que não perdeu ainda o seu amor pelas raízes e ainda lá pousa ancorado sobre as margens da Ribeira do Pavia onde à vezes se pode ouvir a mó girando de um velho moinho restituído à sua função, onde pode […]
Não, eu não sou de Vildemoinhos, esse povinho de moleiros que se fez cidade mas que não perdeu ainda o seu amor pelas raízes e ainda lá pousa ancorado sobre as margens da Ribeira do Pavia onde à vezes se pode ouvir a mó girando de um velho moinho restituído à sua função, onde pode ainda saborear-se a boroa cozida, quase à antiga, num forno comunal, de onde desapareceram, todavia, as tecedeiras, os cesteiros cujos avós construíram uma amieira que Grão Vasco guardava na sua oficina e retrato dela nos deixou num dos quadros do Museu de que ficou legítimo titular, onde se vê ainda a corar roupa branca como a das velhas lavadeiras.
Não, não pertenço a esta aldeia bem diferente da minha aldeia que, essa, pousa nas margens das Terras do Demo onde só havia a festinha bonita da Santa Luzia, nada que se parecesse com a Festa grande das Cavalhadas, mas onde havia as outras festas bonitas, da Páscoa, do S. João, do Natal e onde era festa a ceifa e a vindima e a apanha da castanha, e o Entrudo e o dia-a-dia em que o sol rompia também era festa.
E não sei bem porquê dei por mim, um dia, a ver as Cavalhadas. Alguém me terá contado a lição delas. E sempre eu as vi como lugar de poesia, lenda encantatória que depois se fez registo de verdade, ex-voto as li, padrão de devoção desse povo de moleiros que precisava do milagre das águas da Ribeira nos calmosos dias de Verão, precisava do milagre de ter pão para dar aos filhos e daí a promessa dessa procissão antiga, dessa procissão de festa até à Capela de S. João da Carreira, memória antiga que depois se chamou Cavalhada e se construiu, no tempo longo, leva mais de três séculos a lenda, até ao Corso dos dias de hoje que rememora o tempo de antes com a presença do Alferes da Bandeira e seus Mordomos, os moleiros a cavalo, a carroça enfeitada de canas, a mansidão de bois carregando pipa de vinho que se despejava em arraial, tarde fora.
Registos com mais de um século falam da garridice de cortejo de mascarados, da travessia da urbe onde a gente vinha espreitar, às vezes era pobrinho o cortejo até que um dia, pouco vai além de meio século o reinventaram com carros de flores e alegorias em que a sua história vivia e onde retrato se construía sobre a actualidade vivida, paz ou guerra, invenções, idas à Lua, mar e terra poluídos chamando, a alegoria, a atenção para os salvar. Lembro-me dos carros construídos com flores, havia crianças vestindo de branco e havia sempre noivos vestidos à maneira que sorriam de felizes. Às vezes pousavam junto à porta de uma branca capelinha.
Este ano, quis a sorte, vi dois noivos, à antiga. Estavam felizes à porta da Capela. Perguntei-lhes quem era o patrono da Capela. Era o Senhor dos Aflitos, disse-me a noiva. Eram os dois de Gumirães. A gente do Bairro onde moravam estava com eles na mística boda que só era verdade na manhã da Cavalhada. E eu lhes desejei sorte. Guardei-os, para mim, num retrato.
Foi assim, para mim, a Cavalhada de 2017.