AS CASTANHAS DO “CODESSAL”
O Codessal era um paraíso com o souto cheio de pitoresco e romantismo, as águas correntes sobrevoadas de libélulas, passaredo em barda. Aquilino Ribeiro, In Cinco Réis de Gente. Para Aquilino Ribeiro era encantatório, em seus tempos de menino, este tempo de Outono já entrado quando os primeiros chuviscos amaciavam a secura dos restolhos […]
O Codessal era um paraíso com o souto cheio de pitoresco e romantismo, as águas correntes sobrevoadas de libélulas, passaredo em barda.
Aquilino Ribeiro, In Cinco Réis de Gente.
Para Aquilino Ribeiro era encantatório, em seus tempos de menino, este tempo de Outono já entrado quando os primeiros chuviscos amaciavam a secura dos restolhos para as lavras da sementeira do nabal e das ferrãs, quando as castanhas começavam a cair dos arreganhados ouriços balançados pelo vento no sono das madrugadas. É deste tempo de Outono que Aquilino guarda essa imagética sublime de uma natureza em festa, castanheiros milenares bordados de ouro, como andores em majestosa procissão de votos honrando o Criador. Mulheres e raparigas seguem de caminho, giga nos braços, de palha e silva ou cesta vareza construída com a verga dos castinçais, dobram-se sobre a bênção desses chãos abençoados que lhes legaram seus pais e recolhem as castanhas às mãos-cheias como faziam nossos irmãos, os filhos de Israel, no regresso do Egipto, quando a areia do acampamento se cobria, por milagre, de maná, pela manhã.
Nas Terras do Demo as castanhas continuam a cair na cadeia dos Outonos, maná de camponeses, alimento, pão. Raparigas e mulheres, de manhã ou na tardinha, correm lestas para os soutos e dobram-se sobre a terra como se ela fosse deusa e recolhem, agradecidas, a dádiva generosa. (Houve um tempo em que as mulheres arrecadavam nas arcas uma bolsa de castanhas, guardavam-nas para o tarde, para o tempo das romarias de Verão e construíam então rosários de castanhas, colocavam-nos depois ao pescoço de seus homens e partiam em romagem de votos com bandeiras, lanternas, andores, até à Senhora da Lapa. Hoje ainda há quem leve esses rosários).
Há ainda quem as asse sobre as eiras evocando sacrifícios antigos, como o de Abel, o primeiro lavrador que queimava sobre um altar os frutos colhidos da terra, grato ao Deus de seus pais. O lajedo dos “magustos” ganha também foros de altar, homens e mulheres cantam canções de roda, despejam infusas de vinho e esquecem, por um tempo, que o reverdecer dos prados lhes irá custar muitas bagas de suor.
Pouco importa. No souto do Codessal as castanhas voltarão a cair, no Outono que há-de vir, dos ouriços arreganhados e ao luzir da manhã ouvir-se-á, pelo caminho fora, o bater dos tamancos e o riso das raparigas.