Aquilino – “Cinco réis de gente” Recortes de infância
9 – “MONTEVERDE”- O PRIMEIRO LIVRO DE LEITURA Há tempos, deitando abaixo as prateleiras dos livros mais desdenhados, fui dar com o meu velho Monteverde. Olá, meu venerando amiguinho, foi em tuas sílabas aglutinantes que aprendi a ler! Cinco Réis de Gente, p. 7 A tiracolo a bolsa em que afundira o […]
9 – “MONTEVERDE”- O PRIMEIRO LIVRO DE LEITURA
Há tempos, deitando abaixo as prateleiras dos livros mais desdenhados, fui dar com o meu velho Monteverde.
Olá, meu venerando amiguinho, foi em tuas sílabas aglutinantes que aprendi a ler!
Cinco Réis de Gente, p. 7
A tiracolo a bolsa em que afundira o Monteverde e a tabuada, eu despedia pátio fora, pós-catrapós.
Cinco Réis de Gente, p. 118
Abençoada foi aquela manhã em que a mãe dera por acabada a bolsa talhada num retalho de chita, às pintinhas, duas borlas de lã escarlate a adornar-lhe os cantos e a ponta do cordão que permitia traçá-la a tiracolo e sobre a qual havia bordado, a retrós cor de canário, as duas letras do seu nome.
Dentro da bolsa ia o “Monteverde”, essa cartilha primeira por onde se apendia a ler e que ensinava também uns rudimentos de doutrina, que assim se designava, com brevidade maior, o Methodo facilimo para aprender a ler tanto a letra redonda como a manuscrita no mais curto espaço de tempo possível.
Era seu autor um tal Emílio Achilles Monteverde (1803- 1881), personagem importante no seu tempo, conselheiro de reis que o cumularam de mercês, coisa que então nada significava para os rapazinhos que devagarinho nele aprendiam as vinte e cinco letras do alfabeto inscritas nas páginas seis e sete.
- Teolinda, a mestra de rosto lindo e sereno, fizera nascer em seus pupilos uma afectuosa relação entre eles e o tal livrinho, vaso de terra como aqueles em que as mães dos meninos colocavam sementes à janela, e com o mesmo espanto das mães na primavera, ei-los, a seu tempo, a encarreirar as letras todas do alfabeto. Ei-los, pela vez primeira, triunfantes.