A ESTRANHA HISTÓRIA DO REI MAGO BALTASAR
– Dizei-me onde está o altar do deus que protege os humilhados e os oprimidos, para que eu o implore e adore. Ao cabo de um longo silêncio, os sacerdotes responderam: – Desse deus nada sabemos. Sophia de Mello Breyner Andresen, in Os Três Reis Magos. Singular, de intensidade, a história de Baltasar, um […]
– Dizei-me onde está o altar do deus que protege os humilhados e os oprimidos, para que eu o implore e adore.
Ao cabo de um longo silêncio, os sacerdotes responderam:
– Desse deus nada sabemos.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Os Três Reis Magos.
Singular, de intensidade, a história de Baltasar, um dos três reis do Oriente que numa inquieta noite sente, mais veemente, o vazio dos dias que a fortuna do palácio não lhe preenchia. E eis que descobre, ao amanhecer dessa noite de insónia e devaneio, ao assomar ao terraço do jardim, um homem ainda jovem que, recolhido na sua miséria, o olhava da rua sem rancor.
-Tu, quem és? Lhe perguntou o rei.
– Tenho fome. Foi apenas a voz que ele ouviu.
Fê-lo o rei entrar no palácio e quando se prontificava a servi-lo eis que o pobre homem se escapa, assustado.
Manda o rei procurá-lo dando aos guardas os sinais do ”homem jovem e magro vestido de farrapos”. Mas os guardas voltaram dizendo ao rei que eram sem conto os homens como aquele que o rei descrevia. E só então aquele rei desceu ao chão onde vivia o seu povo e viu a multidão de esfomeados.
Entrou no templo e olhou devagar os seus altares. Um deles era dedicado ao deus dos poderosos, outro à deusa da terra fértil, outro ainda ao deus da sabedoria.
E perguntou o rei aos sacerdotes que ali serviam:
– Dizei-me onde está o altar do deus que protege os humilhados e os oprimidos, para que eu o implore e adore.
Ao cabo de um longo silêncio, os sacerdotes responderam:
– Desse deus nada sabemos.
Na angustiada noite que se seguiu, Baltasar subiu ao terraço alto do palácio e fez do seu grito uma oração – Como poderei, ó deus dos pobres e humilhados, suportar o que vi se não te vir?
E foi então que uma estrela se ergueu e o guiou.
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Escrevo na minha velha Noite de um Dia de Reis antigo lembrado com saudade. Era menino na aldeia. O Rei Baltasar era apenas uma poética figurinha no presépio da igreja. Nesse tempo, como acontecera a Baltasar, não me tinha dado ainda conta dos pés descalços, das roupas remendadas, do rosto magro de tanta gente que vivia ao pé de mim.
Meio século se passou desde então. O “Rei Baltasar” que governa o meu país, os príncipes que ele chamou para conselheiros, os chefes dos guardas, os ministros todos que ele tem e os representantes que levou das províncias ou nelas deixou, não têm descido à rua, parece, e se descem os seus carros passam de cortinas corridas e nenhum deles vê as desgraças que Baltasar viu quando desceu e peregrinou entre o seu povo.
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Está uma noite límpida de Lua Cheia. Ah! Se aquela estranha e antiga estrela pudesse surgir de novo no céu!… Se o rei Baltasar de nosso tempo e os seus ministros e os seus conselheiros e os seus guardas e demais criados tivessem um coração humilde…