A Capela de Nosso Senhor da Aflição
(Limites de Soutosa e S. Martinho) A ermida é feita de pedra lavrada e demora, como convém a lugar santo, lá onde o divino e o humano possam encontrar-se, em sítio ermo, não muito distante de S. Martinho, da antiga freguesia de Peva (hoje União das freguesias de Peva e Segões) a que pertence […]
(Limites de Soutosa e S. Martinho)
A ermida é feita de pedra lavrada e demora, como convém a lugar santo, lá onde o divino e o humano possam encontrar-se, em sítio ermo, não muito distante de S. Martinho, da antiga freguesia de Peva (hoje União das freguesias de Peva e Segões) a que pertence também a Soutosa, cabeça do antigo município de Pera e Peva, que igualmente vizinha fica.
Antigamente a ermida ficava rodeada de pinhais, essa orla de serra que fazia fronteira entre as magras courelas de centeio que que lá iam matando a fome da gente e a serra maninha que o sargaço, a urze ou a giesta pintalgavam de cores a partir do mês de Maio. Lobos, raposas, texugos, bandos de perdizes e muito mais da bicharada que Noé soltou da Arca andava por ali para consumição de lavradores e deleite de caçarretas que vasculhavam as madrigueiras da Nave de que faziam abrigo.
Não sabemos de que longo tempo veio a capelinha que hoje pousa no limpo e sombreado plaino que os mordomos cuidaram para que a festa do primeiro Domingo de Setembro acomode romeiros e forasteiros na hora da missa e do sermão, nas silenciosas voltas ao templozinho com um terço de que os dedos de uma mão passam as contas e depois, sobre o tempo da tarde ainda morna, cabazes de merenda partilhados, já mal lembrando os tempos antigos, o cheirinho bom dos merendeiros.
O Cura de Peva, não deu razão da capelinha nas Memórias que escreveu em1758 quando falou da sua paróquia, da sua igreja e de Santo Antão e D. Joaquim de Azevedo que logo a seguir escreveu a História da Diocese de Lamego, publicada embora cem anos depois, da ermidinha também não fala. Mas eu acho que deve ter origem nesse tempo, nos finais do século XVIII ou nos começos do séc. XIX quando Joaquina Dias, natural de S. Martinho, agradecida ao Senhor da Aflição na figuração de um Cristo Crucificado, ali, no lugar que era já uma cruz de caminhos, manda levantar, como ex-voto, a Cruz que hoje se recolhe no muro interior da capela, à semelhança do que aconteceu com o Senhor dos Aflitos de Caria, o Senhor da Livração, em Cujó, etc., a devoção particular gerando depois uma devoção da comunidade envolvente que em breve levantará templo onde faz entronizar, como Senhor da Aflição, a imagem sofredora de um Cristo Preso à Coluna que terá figurado nos Registos antigos que os homens arvoravam no chapéu, paga a promessa, e as mulheres colavam depois no tabuado de um quarto de dormir.
Aquilino Ribeiro era, como a sua gente da Soutosa, quase vizinho da ermida. Deve ter ido por lá logo em Setembro de 1895,dez anos feitos, antes de voltar ao Colégio da Lapa. Talvez por mais de uma vez tenha ouvido por ali os sermões de seu pai, quem sabe. O desenho de ermidinhas como esta aflora aqui e além pelos seus livros onde correm ranchos de romeiros, onde pousam Alminhas e Cruzes de homem morto e outros cruzeirinhos perdidos como esses dois pelos quais passei quando, na Soutosa, fiz o desvio breve para ir ver a capelinha.
Da última vez espreitei o interior pelos pequeninos olhais abertos na fachada. Mas eu lembro-me dos dizeres do cruzeirinho lá dentro e dos milagres pintados em tábua que lá deixou gente de S. Martinho e da Cerdeira, junto ao Touro, e de outras terras. Algumas tábuas mostram leitos de doente com familiares em prece. Dois outros quadros, foram lavradores quem os mandou pintar porque o Senhor da Aflição livrara da morte as vacas que faziam toda a sua riqueza, a mesma querença lhes devotando, quase, como se entes da família também fossem. É assim que eu guardo a memória desta capelinha.