É o nosso fado!

Serenamente, diga-se que o PS, com a dita comissão pretende levar o governo para uma cozedura em lume brando, desgastando-o, e o PSD, nada temendo, devia encarar aquela figura regimental com absoluta normalidade, não fazendo leituras ínvias do que é cristalino.

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  • 16:36 | Segunda-feira, 10 de Março de 2025
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Parece que sim, que vamos mesmo para eleições.

Seria preciso que os partidos, contradizendo-se, fizessem o pino, torcessem as consciências nas barras paralelas, amachucassem a coluna no cavalo de arções. Aqui chegados, depois de todos os partidos terem esticado demasiado a corda – ter-se-ão apercebido da inconveniência tarde demais -, não me parece haver margem para recuo. Depois da rejeição de duas moções de censura, era suposto que o governo se sentisse confortável para prosseguir na sua acção.

O anúncio de uma comissão de inquérito pelo PS fez com que o PSD sentisse que a exploração do caso da empresa familiar de Montenegro continuaria a ser factor de perturbação política, incendiando a estabilidade.


De facto, avançar com uma comissão de inquérito significa objectivamente que a questão não está arrumada, que a rejeição da moção de censura foi táctica, deixando vivas as dúvidas.

E foi aí que o caldo se entornou e as migas azedaram. Talvez num momento de precipitação, o PM jogou a cartada da moção de confiança, julgando destrunfar o principal adversário. Que, se assim era, com a comissão de inquérito a arrastar-se por meses, sob um clima de permanente suspeição, e o governo a rechaçar os golpes ao invés de governar, valia mais que a clarificação se fizesse, devolvendo a palavra ao povo.

Serenamente, diga-se que o PS, com a dita comissão pretende levar o governo para uma cozedura em lume brando, desgastando-o, e o PSD, nada temendo, devia encarar aquela figura regimental com absoluta normalidade, não fazendo leituras ínvias do que é cristalino.

A esta hora, sopesando as consequências dos gestos tontos, ambos estarão arrependidos do passo em falso. Sem a burrice do PS, não haveria moção de confiança, e duas moções de censura rejeitadas deviam bastar para não insistir na escusada trapalhada da moção de confiança.

O PSD, desesperado, fez uma fuga para a frente, o PS, confiante, faz a quadratura do círculo – não censura, mas também não confia. Nem carne, nem peixe.

Entretanto, vieram para a rua as segundas linhas, num atropelo de contradições e num joguinho de faz-de-conta. Se o PS desistisse da intenção de uma comissão de inquérito, o governo retiraria a moção de confiança. Como se fosse uma ninharia de trocos, uma niquice de comadres desavindas, um arrufo de amantes. Os próprios a darem pouco crédito ao que se julga ter alguma importância e ser coisa séria.

As trocas públicas que os partidos não escondem são obscenas, pouco éticas, medíocres e rascas, indignas dos que, com seriedade, ajudaram a construir um Portugal democrático. Reduzidas à fraca condição de jogadas tácticas, nada acrescentam à bondade e valia das instituições.

Aproveitando o momento de agitação política, os candidatos à presidência vieram a terreiro. Como seria de esperar, aproveitaram o palco proporcionado pela traquinice partidária, opinando pela estabilidade, apelando ao bom senso das lideranças. Dispensáveis. O PR, amuado por Montenegro não o ter consultado, antes de fazer a comunicação ao país, não esteve para condescendências e não lhe atendeu o telefone, fingindo desvalorizar a desfeita.

As eleições, lá para Maio, trarão um vencedor, e o país seguirá o seu rumo. Sendo a mais e tão brevemente, que ninguém veja prejuízo nas eleições. Elas são o sangue da democracia e mal de nós se elas se reduzissem a uma formalidade quadrienal.

O que deste episódio ressalta:

1. Um dia destes, ninguém quer ser político, só o será quem não tiver outra forma de ganhar vida. O escrutínio é severo, impertinente.

2. O PM, apesar da sua experiência, foi trapalhão, reagiu, foi atrás dos acontecimentos, fugindo dos esclarecimentos.

3. PNS exibe um manifesto desjeito para a coisa pública, é mais de criticar do que fazer, tem um soberbo no seu discurso.

4. Os líderes, no geral, seja qual for o lugar onde se procurem, são fracos, superficiais, vagos, muito tácticos.

5. Inculcada no povo a ideia de que “os políticos são todos iguais”, quem capitalizava seria o partido de extrema-direita, não tivesse ele um líder errático, um grupo parlamentar que acolhe indigentes e um conjunto de responsáveis distritais e concelhios com a justiça à perna, por suspeita da prática de crimes miseráveis.

6. Talvez o crescimento do Chega, fazendo provar o veneno, possa vir a ser uma vacina que evite males maiores.

Amanhã, haverá novas para os nossos destinos. Certamente, novas procissões com os mesmos santos, com caras de madeira.

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Publicado em Opinião