Parece que sim, que vamos mesmo para eleições.
Seria preciso que os partidos, contradizendo-se, fizessem o pino, torcessem as consciências nas barras paralelas, amachucassem a coluna no cavalo de arções. Aqui chegados, depois de todos os partidos terem esticado demasiado a corda – ter-se-ão apercebido da inconveniência tarde demais -, não me parece haver margem para recuo. Depois da rejeição de duas moções de censura, era suposto que o governo se sentisse confortável para prosseguir na sua acção.
O anúncio de uma comissão de inquérito pelo PS fez com que o PSD sentisse que a exploração do caso da empresa familiar de Montenegro continuaria a ser factor de perturbação política, incendiando a estabilidade.
De facto, avançar com uma comissão de inquérito significa objectivamente que a questão não está arrumada, que a rejeição da moção de censura foi táctica, deixando vivas as dúvidas.
Serenamente, diga-se que o PS, com a dita comissão pretende levar o governo para uma cozedura em lume brando, desgastando-o, e o PSD, nada temendo, devia encarar aquela figura regimental com absoluta normalidade, não fazendo leituras ínvias do que é cristalino.
A esta hora, sopesando as consequências dos gestos tontos, ambos estarão arrependidos do passo em falso. Sem a burrice do PS, não haveria moção de confiança, e duas moções de censura rejeitadas deviam bastar para não insistir na escusada trapalhada da moção de confiança.
O PSD, desesperado, fez uma fuga para a frente, o PS, confiante, faz a quadratura do círculo – não censura, mas também não confia. Nem carne, nem peixe.
Entretanto, vieram para a rua as segundas linhas, num atropelo de contradições e num joguinho de faz-de-conta. Se o PS desistisse da intenção de uma comissão de inquérito, o governo retiraria a moção de confiança. Como se fosse uma ninharia de trocos, uma niquice de comadres desavindas, um arrufo de amantes. Os próprios a darem pouco crédito ao que se julga ter alguma importância e ser coisa séria.
As trocas públicas que os partidos não escondem são obscenas, pouco éticas, medíocres e rascas, indignas dos que, com seriedade, ajudaram a construir um Portugal democrático. Reduzidas à fraca condição de jogadas tácticas, nada acrescentam à bondade e valia das instituições.
As eleições, lá para Maio, trarão um vencedor, e o país seguirá o seu rumo. Sendo a mais e tão brevemente, que ninguém veja prejuízo nas eleições. Elas são o sangue da democracia e mal de nós se elas se reduzissem a uma formalidade quadrienal.
O que deste episódio ressalta:
1. Um dia destes, ninguém quer ser político, só o será quem não tiver outra forma de ganhar vida. O escrutínio é severo, impertinente.
2. O PM, apesar da sua experiência, foi trapalhão, reagiu, foi atrás dos acontecimentos, fugindo dos esclarecimentos.
3. PNS exibe um manifesto desjeito para a coisa pública, é mais de criticar do que fazer, tem um soberbo no seu discurso.
4. Os líderes, no geral, seja qual for o lugar onde se procurem, são fracos, superficiais, vagos, muito tácticos.
5. Inculcada no povo a ideia de que “os políticos são todos iguais”, quem capitalizava seria o partido de extrema-direita, não tivesse ele um líder errático, um grupo parlamentar que acolhe indigentes e um conjunto de responsáveis distritais e concelhios com a justiça à perna, por suspeita da prática de crimes miseráveis.
6. Talvez o crescimento do Chega, fazendo provar o veneno, possa vir a ser uma vacina que evite males maiores.
Amanhã, haverá novas para os nossos destinos. Certamente, novas procissões com os mesmos santos, com caras de madeira.